
Cristo com Maria Madalena, obra de Stephen Adam (1848-1910), Igreja de Kilmore, Escócia, Fotografia de Iain B. Galbraith. https://victorianweb.org/art/stainedglass/adam/5.html
Houve um casamento entre Maria Madalena e Jesus? Há quem afirme que sim! A Igreja diz que isso é um grande absurdo, nada mais que Teoria da Conspiração! E a Ciência, é a favor ou contra?
A ciência não é a favor e nem contra! A Ciência não tem nenhum interesse em dizer se houve ou se não houve esse casamento. Ela não tem nenhum interesse específico em defender uma posição ou outra, no entanto, ela tem interesse sim em conhecer e analisar TODAS as ideias, hipóteses e teorias a respeito de qualquer coisa, inclusive sobre esse assunto.
É com base no espírito científico que vamos mostrar as ideias daqueles que afirmam que houve um casamento entre Maria Madalena e Jesus. Se é Teoria da Conspiração ou não, não cabe à Ciência dizer. O fato é que a narrativa existe há mais de um milênio, como mostram as pinturas medievais e renascentistas, e estamos aqui para conhecer os dois lados dessa "guerra de narrativas".
Até o 3º milênio a.C. as sociedades eram matrilineares, ou seja, a linhagem era transferida pelo lado materno. Isso foi assim na Suméria, na Mesopotâmia, no Egito e depois entre os judeus. É considerado judeu alguém que nasceu de uma mãe judia, até hoje. De onde vem essa tradição?
Vem de uma época que se perdeu nas brumas do tempo. A DEUSA-MÃE estava profundamente relacionada com a MÃE-NATUREZA. Ambas eram uma só. A DEUSA-Mãe era a verdadeira e única possuidora de tudo o que há. Suas filhas, as mulheres, herdaram essa prerrogativa da Deusa, cabendo aos homens governar e cuidar das riquezas da Natureza e das posses da Deusa-Mãe. Simbolicamente, o Rei governa, mas ele não detém a posse, pois esta é da mulher. Assim, cabe a ela conceder a coroa real para o futuro governante, transformando-o em legítimo rei.
Há milênios aC, o direito sucessório era transmitido através da filha primogênita. Ao se casar com ela, qualquer homem estaria apto a reivindicar o trono. Por isso os faraós se casavam com suas irmãs, ou até mesmo com suas próprias filhas, caso ele ainda estivesse jovem e gozando de boa saúde, como foi o caso de Ramsés II que se casou com mais de uma filha. Ao se casar com sua filha, o faraó impedia que outro o fizesse, ameaçando assim sua soberania.
Foi assim foi no Egito, na Babilônia, na Mesopotâmia. O Reino de Judá, onde se encontrava Jerusalém, foi governado por Herodes, que só conseguiu ter sua legitimidade através do casamento com Mariamne, a herdeira da Linhagem Hasmoneana. No mundo antigo o casamento era equivalente a tratados governamentais celebrados entre dois reinos, através do casamento, onde a noiva-irmã ungia seu consorte nos rituais da coroação real. Portanto, a unção está diretamente relacionada com uma coroação real.
Qual é a origem etimológica da palavra Cristo? Ela não é o "sobrenome de Jesus. Em grego, a palavra “Christus” significa “ungido”. Jesus é Christus porque foi ungido. Jesus, o Cristo, também pode ser interpretado como Jesus, o “Rei”, ou seja, aquele que foi ungido.
Na cabeça dos romanos, a unção de Jesus não foi um evento fortuito, obra de uma pecadora desvairada que invadiu um jantar para o qual não havia sido convidada e que lhe “deu na telha” de derramar um perfume caríssimo nos pés de Jesus.
Com base nas informações que temos hoje sobre os rituais de unção das antigas civilizações, sabemos que esse ritual fazia parte do casamento real, que por sua vez concedia ao ungido o direito ao trono.
Os romanos nem precisavam saber que Jesus tinha sido ungido para ficarem com os cabelos em pé. Havia diversos grupos revolucionários em Jerusalém, que poderiam ser chamados de "a esquerda daquela época". Os romanos sabiam que aquele jovem de trinta e poucos anos vinha da Linhagem de Davi, portanto, era legítimo herdeiro do Reino de Judá, ocupado por Herodes que, apesar de ser um judeu da Idumeia, havia sido colocado no trono pelo Império Romano, tanto é verdade que estes perguntam claramente quais eram as intenções de Jesus, que respondeu: Meu reino não é deste mundo! Apesar da resposta inteligente, os pergaminhos descobertos em 1947, sugerem outra interpretação.
Quando Jesus nasceu, o Império Romano dominava o mundo com mãos de ferro, extraindo toda a riqueza dos povos conquistados, usados em benefício próprio, deixando um rastro de dor e sofrimento, que muito sensibilizavam Jesus.
O Império Romano oprimia a população da Palestina por meio de pesados impostos, ao mesmo tempo que cooptava a elite local através da corrupção e troca de favores.
Segundo Flavio Josefo, a legitimidade de Herodes só foi conseguida através do seu casamento com Mariamne, uma hasmoniana, filha do alto sacerdote do Templo. Mesmo assim, Herodes temia uma revolta popular que o depusesse do trono, razão pela qual teria construído a fortaleza de Massada para se refugiar. Diversos grupos resistiam bravamente ao Império Romano. Mas, as revoltas populares eram controladas com extrema violência pelo exército romano, cuja principal arma era infundir na população o medo da condenação à morte na cruz, muito comum naqueles tempos.
Jesus não se furtou ao enfrentamento político, muito embora a Igreja de Roma tenha “pasteurizado” seus ensinamentos ao expurgar o conteúdo revolucionário de sua mensagem. Esta conclusão não é minha. Ela vem através do conhecimento adquirido entre os três tipos de materias: A Torá, os Manuscritos do Mar Morto e do historiador Flávio Josefo.

Da comparação entre essas três fontes, saltam aos olhos narrativas diferentes para os mesmos fatos. Com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto em 1947, ninguém imaginava que uma bomba havia sido acionada. Levou muito tempo para que os pergaminhos fossem traduzidos e depois liberados, mas quando isso aconteceu, novas informações vieram à luz.
As universidades começaram a estudar esse material, os acadêmicos passaram a usar o método comparativo entre as três fontes. Da troca de informações entre esses três materiais inúmeras hipóteses começaram a surgir, outras áreas do conhecimento foram integradas: Sociologia, antropologia, arqueologia, linguística, genética, e por aí vai…
Alguns textos canônicos foram convalidados pelos pergaminhos, no entanto, no geral, eles apresentam narrativas divergentes do cânone. Qual é a versão correta? Não sabemos! Isso não é do interesse científico. A ciência apenas pode confirmar que há mais do que uma versão, que, de fato, há uma GUERRA DE NARRATIVAS.
Só foi possível construir essa hipótese nos tempos modernos, a de que houve um casamento dinástico entre Jesus e Maria Madalena, por causa dos escritos de Flávio Josefo, que foram comparados com os pergaminhos do Mar Morto e ambos com a Bíblia. No entanto, essa hipótese não é nova, ela já circulava pelo meio artístico medieval e renascentista como podemos constatar.
Mais uma vez insisto, não estamos defendendo essa tese, simplesmente estamos dizendo que existem hipóteses alternativas e os argumentos que as sustentam, ok?
Não é possível argumentar sobre a existência de um casamente dinástico sem contextualizar a situação política do Reino de Judá na época do Império Romano. Jesus foi crucificado porque os romanos temiam que ele estivesse reivindicando o trono de Judá. Seja de onde for, qualquer Casa Real estabelece suas linhas de sucessão. Isso não foi diferente no Reino de Judá. Os romanos sabiam que Jesus era um dos descendestes da Casa de Davi, assim, não é de estranhar que eles quisessem dar fim a essa ameaça.
Acontece que não eram apenas os romanos que se sentiam ameaçados, os judeus também se sentiam. Existiam diversas linhagens reais, pois existiram diferentes reinos entre os judeus.

Unção de Saul e Davi pelo profeta Samuel
As 12 tribos que constituem o povo judeu se uniram pela primeira vez mil anos aC, quando Saul, da tribo de Benjamim, tornou-se Rei. Ele governou por 38 anos e foi substituído pelo rei Davi, da tribo de Efraim. Ambos foram ungidos pelo profeta Samuel, que fez uma inovação. Pela primeira vez a unção não foi realizada pela Noiva-Irmã e sim por um profeta. Isso mostra que o patriarcado já estava em pleno vigor, pois esse costume ancestral havia sido quebrado.
Bem, ao assumir o trono, Davi construiu sua própria linhagem e manteve as 12 tribos unidas. Com sua morte, foi substituído por seu filho, Salomão. O problema é que o novo rei erigiu grandes obras, que geraram pesadosimpostos, que recaíram sobre todas as tribos, gerando grande descontentamento em todo o reino. As coisas ficaram piores ainda com a morte de Salomão. As dez tribos de Israel não aceitaram seu filho Roboão como novo rei, pois Roboão declarou que reinaria com rigor ainda maior que seu pai. (I Reis 12:11-14)

Em 930 aC, com a ascensão de Roboão, as tribos do norte se separaram da Casa de Davi para recriar o antigo Reino de Israel, cujo rei foi Jeroboão. O reino do norte se formou em torno da província da Samaria, dando origem aos samaritanos. O Reino de Judá foi constituída pelas tribo de Benjamim e de Efraim.
Essa divisão trouxe graves consequências: Em 930 aC o Reino que havia sido comandado por Saul, Davi e Salomão foi dividido. Em 722 aC o Reino de Israel, do norte, foi invadido por Sargão II e seu povo levado para a Babilônia. Ironicamente, a destruição do Reino de Israel permitiu o grande florescimento do Reino de Judá, ao sul. A população cresceu e Jerusalém tornou-se um grande centro.
Porém, 200 anos depois, em 587 aC, o faraó Sisaque I invadiu o Reino de Judá, que passou a pagar tributos para o Egito. Ao todo o Reino de Judá durou 400 anos, 200 a mais que o Reino de Israel.
Os judeus já estavam cansados de serem dominados pelos impérios estrangeiros: domínio persa (539 - 332 aC), gregos (332-167 aC), Hasmoneus (140-37 aC) e Romanos (63 aC - 132 dC). É obvio que a resistência existia, inclusive no tempo de Jesus.
Durate todo esse tempo várias linhagens reais e sacerdotais foram sendo constituídas, trazendo grandes consequências políticas. Os judeus sonhavam com a reunificação do seu reino. Cada Casa Real se preocupava em manter sua linhagem, daí existirem regras rígidas sobre aqueles que eram descendentes das linhagens messiânicas: a linhagem real e a linhagem sacerdotal. Ambas de igual valor. Assim, os casamentos eram protocolares e não dependiam de aceitar ou não, era uma obrigação.
O casamento dinástico se guiava por regras rígidas, baseadas em simbolismos bíblicos, a fim de garantir a volta do MESSIAS. Era exigido de um herdeiro homem à sucessão real que tivesse seu primeiro filho em torno dos 40 anos de idade. Essa regra estava baseada no Gênesis 25:20 “E Isaque tinha quarenta anos quando tomou Rebeca por mulher”; conforme tinha sido prometido a Isaque, filho de Abraão (Gn 17:19).
Cada casamento dinástico deveria acontecer em setembro, no Yon Kipur, mês da Expiação. Aí a Noiva-Irmã-Messsiânica ungia os pés do noivo. Mas, a consumação do casamento estava proibida, pois estava dito nas profecias que o Salvador também nasceria no mês do Yon Kipur. Para que isso fosse possível, a consumação do casamento só poderia acontecer no mês de dezembro, a fim de que a criança nascesse em setembro.
Caso não houvesse concepção, o casal ficaria afastado e poderia tentar de novo no ano seguinte. Mas, se a Noiva engravidasse, um segundo casamento era realizado, dessa vez ela ungiria a cabeça do noivo, confirmando sua qualidade de “esposa” e ele de Rei-Ungido.
Caso não houvesse sucesso na segunda ou terceira tentativa, outra noiva seria escolhida.
Cada “noiva-herdeira-real” era mantida sob estrita vigilância e era chamada de “Maria”, que era um título, ou seja – uma possível “noiva-irmã-messiânica”.
Assim como Maria era um título, MARTA também o era. A palavra "Marta" significava “Senhora” e a diferença entre elas é que as “Marias” não poderiam herdar e manter propriedades, enquanto que as "Martas" poderiam fazê-lo. Essa regra contraria a hipótese de Maria Madalena ser uma rica proprietária que ajudava Jesus em sua Missão. Se assim fosse, ela deveria ser chamada de Marta.
Resumo das Regras do Casamento Dinástico:
- Os representantes da linhagem real tinham que garantir um herdeiro, o MESSIAS;
- As possíveis “Noivas”, ou seja, aquelas que provinham de linhagens reais eram mantidas reclusas até chegar o momento de serem encaminhadas ao casamento.
- O casamento não era uma cerimônia única, mas se dava em dois atos e só se oficializava no segundo.
- O primeiro casamento se dava quando a Noiva ungia os pés do Noivo.
- Essa casamento tinha que ser realizado em setembro, mês do Yon Kipur.
- Porém, o casamento só poderia ser consumado em dezembro e era esperado que a Noiva engravidasse nos primeiros três meses.
- Com gravidez ou não, o casal voltava ao celibato, vivendo em lugares separados.
- Constatada a gravidez, somente depois do terceiro mês de gestação é que haveria a celebração do segundo casamento, quando a Noiva ungia a cabeça do Noivo e só então era considerada “sua esposa”.
- Caso a noiva não engravidasse durante o período estabelecido, haveria uma segunda oportunidade. Porém, apenas no “tempo certo”, ou seja, no mês de dezembro seguinte.
- Caso a Noiva não engravidasse, seria substituída por outra e o processo recomeçava.
- Mesmo tendo engravidado, caso a Noiva “perdesse” o bebê devido a um aborto espontâneo, ela era substituída por outra noiva.
Fonte: Laurence Gardner. O Legado de Madalena. Ed. Madras.
De forma bem simplificada, essas eram as principais regras do Casamento Dinástico, cujo objetivo maior era garantir a vinda do MESSIAS e não o casamento em si. Tais regras foram “interpretadas” segundo a Técnica Pesher criada por Barbara Thiering e utilizadas por Gardner.
Essas regras não eram generalizadas, elas eram regras próprias dos Nazireus, um grupo que fazia parte dos Essênios, que por sua vez foram identificados como os autores dos pergaminhos do Mar Morto. É provável que Jesus fosse um Nazireu, assim como João Batista. Jesus, o Nazireu, não nasceu em Nazaré como diz a tradição.

Artus Wolffort (1581-1641) - Wikipedia
A unção dos pés de Jesus foi relatada por João e Lucas. João diz que foi em Betânia, perto de Jerusalém; já Lucas faz o relato no capítulo em que Jesus está pregando na região de Cafarnaum, ao norte. É provável que a unção dos pés de Jesus tenha ocorrido ao norte e não em Betânia, que fica perto de Jerusalém, ao sul.

É provável que a unção da cabeça de Jesus tenha ocorrido em Betânia, perto de Jerusalém, na casa de Simão, o Leproso, como relatam Mateus 26:6,7, Marcos 14:3 e João 12:1-3, sendo que este último faz a ressalva que a unção foi nos pés.

Autor desconhecido
Trocando em miúdos, dois evangelistas dizem que a unção foi na cabeça e dois que foi nos pés. Três dizem que foi em Betânia e um não especifica o local, mas o situa no mesmo capítulo em que Jesus está pregando nas proximidades de Cafarnaum, ao norte.
Se forem aplicadas as regras do casamento dinástico, a primeira unção teria sido nos pés de Jesus, perto de Cafarnaum, quando teria ocorrido o primeiro casamento. A segunda unção teria sido em Betânia, perto de Jerusalém, seis dias antes da sua crucificação.
O segundo casamento teria ocorrido após a confirmação dos três meses de gravidez de Madalena. Ao ungir a cabeça de Jesus, a Noiva real estaria confirmando plenamente sua condição messiânica.
Uma questão: Se estas regras foram encontradas nos Manuscritos do Mar Morto, que só foram descobertos em 1947, como os pintores medievais sabiam disso?

Iluminura - autor desconhecido

Iluminura - autor desconhecido
É certo que desde a época em que as iluminuras eram feitas, os/as copistas sabiam das duas unções. Provavelmente essas ideias foram repassadas aos cruzados quando estiveram nas lutas pela libertação da Terra Santa, que, ao voltarem para a Europa, trouxeram mais do que estórias das batalhas.
O fato é que os pintores medievais e renascentistas participaram ativamente da GUERRA de NARRATIVAS com a Igreja de Roma. De um lado, pintores como Crivela acusavam-na de corrupta.

Carlo Crivelli (1445-495 ) wikimedia commons
Por outro lado a Igreja de Roma insistia em apontar Maria Madalena como prostituta, estendendo a difamação para todas as mulheres, sobretudo às que ousassem se entregar aos padres, que deveriam permanecer celibatários, não por objetivos de elevação espiritual, é obvio. Contudo, em paralelo, ela era considerada a apóstola dos apóstolos.

Iluminura - autor desconhecido
Ticiano (1473-1576) e Botticelli (1445-1510) representaram Maria Madalena indiscutivelmente grávida:

Ticiano (1473-1576) wikimedia commons

Botticelli (1445-1510) wikimedia commons
Fra Angelico lançou uma discussão ao representar Maria sob a cúpula de uma torre. Seria Migdal? A Torre do Rebanho? Ele pintou a Virgem Maria ou Maria Madalena?

Fra Angelico (1395-1455) wikipedia

Filippino Lippi (1475 - 1480) wikipedia
Filippino Lippe representou Maria portando um solene "X" no peito e um livro na mão, tendo ao fundo uma Torre. A qual Maria estaria Lippe representando?
As análises aqui apresentadas foram retiradas dos seguintes livros: A mulher do vaso de Alabastro de Margaret Starbird e O legado de Madalena de Laurence Gardner, ambos citando o livro de Bárbara Thiering, Jesus, o Homem, entre outros.
Se Jesus foi casado ou não, provavelmente nunca saberemos. Porém, mais importante que isso é sabermos que não existe uma narrativa única. As diferentes narrativas aparecem em um confronto de ideias, onde os perdedores lutam para colocar sua verdade em confronto com a versão oficial dos fatos. Essa verdade existe, basta ter olhos para ver.

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