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5 - A ORIGEM DO MITO DE LILITH

Atualizado: 7 de abr. de 2022


Aiwok. Wikimedia Commons


Os estudiosos ainda debatem sobre a origem do mito de Lilith. Muitos afirmam que sua criação foi inspirada nos mitos sumérios e mesopotâmicos que tratam sobre demônios, que eram chamados de Lilim, sendo depois absorvidos pela mitologia judaica, onde Lilim é um termo para designar espíritos maléficos noturnos. {feminino é Lili e masculino Lilu, ambos no singular}


A mitologia suméria diz que o homem foi criado com o sangue de um deus misturado a argila. Sua criação foi solicitada por Enlil e executada por dois outros deuses, Enki e Ninhursag. A nova criatura recebeu a denominação de Lulu, termo genérico para "trabalhador". Eles serviam aos deuses e andavam nus.


Vaso de Templo de Warka, Uruk, datado de 3.100 aC. Pinterest


Detalhe: Um Lulu entregando oferenda para a deusa Inanna.
Foto de Osama Shukir Muhammed Amin - Wikimedia Commons


Brigitte Couchaux demonstra que o nome de Lilith vem de uma linhagem semítica e indo-europeia. O termo “lil”é encontrado no nome do deus sumério, Enlil, que significa vento, ar, atmosfera. Pode ser um vento bom como a brisa ou tempestuoso como um furacão. Também pode ser um vento ardente como as areias do deserto que, segundo a crença popular, era responsável pela febre das mulheres depois do parto, matando-as, assim como os recém-nascidos. Primitivamente, Lilith pode ter sido uma das grandes forças hostis da natureza, por isso demoníaca. Afinal, como explicar a altíssima taxa de mortalidade puerperal naquele tempo, quatro milênios antes da nossa era? Certamente deveria ser provocada por demônios!


Duas outras linhas de pesquisa permitem aproximações de seu nome com a raiz indo-europeia “la” (gritar, cantar) e com a palavra grega “law”. De “la” deriva o sânscrito “lik” (lamber) e um grande número de palavras relacionadas com a língua e com os lábios: Lippe (alemão), lippe (francês), labium (latim); A palavra “law” se relaciona com lux (latim), luz (espanhol), light (inglês) e licht (alemão) e dá a ideia de luz, de “ver com uma visão penetrante”, “libertar-se da obscuridade”. Estas duas origens para explicar o nome de Lilith demonstram sua ambiguidade, um polo devorador de crianças e no polo oposto aquela que pode libertar-se da escuridão.


COUCHAUX, Brigitte. Lilith. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. RJ: José Olympio, 2005. https://www.fantasticacultural.com.br/artigo.php?id=98&titulo=lilith_antes_de_eva_-_o_mito_da_primeira_mulher_da_criacao

Peça Burney - Wikimedia Commons


Lilim, Lili, Lilu, Lulu, Lilith parecem nomes cuja origem é a mesma: serviçais e demônios. Lilith é fruto das lendas ancestrais, transmitidas oralmente de civilização em civilização. Ela não é criação dos judeus, embora seu mito tenha sido apropriado por eles.


No entanto, a origem suméria de Lilith não é consenso entre os estudiosos. Joshua J. Mark diz que a peça, cuja imagem de uma mulher foi atribuída a Lilith, chama-se Burney Relief ou Peça Burney, adquirida por Sydney Burney de um negociante de antiguidades sírio. Sua datação é estimada torno de 1.800 aC, mas esta data é imprecisa, pois ela não foi encontrada por meio de escavação arqueológica, tendo sido simplesmente removida do Iraque, em algum momento entre os anos 1920 e 1930 dC. Mas sua origem é certamente a Mesopotâmia, atual Iraque, provavelmente durante o reinado de Hamurabi (1792-1750 aC), uma vez que a peça compartilha características com a famosa estela de diorito das leis de Hamurabi, atualmente no Museu Britânico.


A peça retrata uma mulher, alada, com pernas que se estreitam e terminam em garras de pássaro e detalhes nas panturrilhas que se assemelham a esporas. Quem seria esta mulher? Três personagens são suscitados: Inanna, Ereshkigal e Lilith.


Inanna é uma antiga deusa mesopotâmica associada ao amor, ao erotismo, a fecundidade e a fertilidade. Apesar de ser cultuada em todas as cidades sumérias, era especialmente devotada em Ur, mais tarde adorada pelos acadianos, babilônios e assírios sob o nome de Ishtar, ou Rainha do Céu. Devido ao culto prestado a Inanna, numa época de perseguição à mulher, a sacerdotisa Enheduanna foi expulsa do Templo de Ur. {voltaremos ao tema}

Ereshkigal é uma das grandes divindades sumérias, filha de Anu, o Senhor do Céu e Namu, a Senhora dos Oceanos e irmã gêmea de Enki. O seu nome significa “Senhora da Grande Habitação Inferior” ou ainda “Senhora dos Vastos Caminhos”, eufemismos para se falar do Inferno, terra cujos caminhos são infindáveis, sem rumo certo e “Terra do Não Retorno”.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Eresquigal


Lilith, Embora tenha raízes sumérias, seu nome foi imortalizado pela tradição hebraica, na qual foi a primeira mulher de Adão, a que recusou se submeter às demandas sexuais dele, o deixou, e rebelou-se contra o Criador, tendo sido transformada em demônio.


Joshua J. Mark pondera que a peça em relevo não pode ser Lilith, pois a mulher representada usa o cocar com chifres de uma divindade e segura o símbolo sagrado da haste e do anel em suas mãos levantadas. Somente aos deuses era permitido serem retratados com este tipo de toucado. Lilith nunca foi considerada deusa por nenhuma tradição, nenhum mito, portanto, não pode ser ela.


Mesmo que a placa Burney não seja a representação de Lilith, nas Escrituras judaico-cristãs ela é personificada na serpente, também chamada Lilith, representada com asas, como nesta tela de Yuri Klapouh (1973) exposta no Museu de Kiev.


http://artenocaos.com/historia/voce-ja-ouviu-falar-da-lilith-vem-ver-essa-pintura/

O mito de Lilith vem da tradição hebraica, mas sua semelhança com LILITU, personagem demoníaca originária da Mesopotâmia, demonstra que o sincretismo religioso é um artifício muito antigo, usado por todas as religiões, comprovando que cada nova religião se apoia nas crenças, ritos e mitos das anteriores.


O mito de Lilith tem o objetivo de mostrar como o Criador trata uma transgressora, além de funcionar como contraponto para o surgimento de Eva, a submissa, e da mãe de família nas religiões abraâmicas. Eva foi criada pelo judaísmo para substituir a figura da Grande Mãe politeísta. No entanto, no cristianismo, Eva foi substituída por Maria {Teotokos - Mãe do Salvador}, aquela que se manteve virgem antes, durante e depois do parto {ao menos no dogma cristão, por mais inverossímel que isso seja}.


Quanto ao termo família, ele foi cunhado na época do Império Romano e a Igreja Católica se apropriou da palavra e do seu conceito. Em latim, “famulus”, são os escravos e servidores que vivem sob o teto do proprietário. Família é derivado do latim “famulus” que significa “escravo doméstico”. Este termo foi criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, em uma época que a escravidão era legalizada. Nesta época, predominava uma estrutura familiar patriarcal, em que um vasto leque de pessoas se encontrava sob a autoridade do Pater Familias.


Pater famílias significa literalmente “Pai de família”. O termo seria originário do grego helenístico para denominar um líder de comunidade. Seu uso aparece pela primeira vez entre os hebreus no século IV para qualificar o líder de uma sociedade judaica. A palavra pátria é derivada desse termo. Pátria relaciona-se ao conceito de país, do italiano paese, por sua vez originário do latim pagus, que significa aldeia, de onde também vem pagão. Pátria, pai, patriarcado e pagão são termos que tem a mesma raiz.


Segundo Joseph Campbell os hebreus foram os primeiros a usar o termo pai. Moisés deu aos hebreus o decálogo. Os Dez Mandamentos tem função religiosa, mas também de legislação civil. O mandamento "honrar pai e mãe", destaca a figura do pai. Com ele Moisés e o monoteísmo estabelecem nova ordem social, com um só Deus, um só pai, uma família. Nessa nova configuração a mulher passou para o segundo plano, porque todo o poder se concentra a partir de então na figura do pater familias, palavra que destaca, por um lado, o pai, por outro, o conjunto da mulher, filhos, criados, servidores, ou seja os fâmulos, de onde vem a palavra família.


A Eva judaica inaugura o controle da sexualidade feminina, reprimida para cumprir sua nova missão, a maternidade, e ocupar um novo espaço, a de mãe de família. Essa missão foi renovada pelo cristianismo ao criar o modelo de Maria, onde a sexualidade foi completamente abolida, ficando apenas como símbolo da maternidade, condenada a ser eternamente virgem.



ENTRE FOGUEIRAS


Anneken Hendriks, uma anabatista do século XVI condenada por heresia. Wikipédia

O mito judaico de Lilith foi produzido por uma sociedade de pastores e guerreiros nômades, fortemente patriarcal, que usou o medo {sempre ele} para controlar seus filiados e seguidores e mantê-los sob seu domínio. O cristianismo usou e abusou deste artifício para vender as chamadas indulgências plenárias, que garantiam {?} ao fiel o perdão de todos os seus pecados, já cometidos e os por virem. Assim como usou o medo que as mulheres provocavam {nos homens} com seus saberes sobre a arte de cuidar e de curar, o manuseio de plantas e a arte de trazer as crianças ao mundo. Sob as acusações de feitiçaria e bruxaria, milhares de fogueiras inquisitoriais foram acesas. A instituição da Inquisição persistiu até o início do século 19.


A Inquisição espanhola nasceu e permaneceu sob controle direto dos reis da Espanha, Fernando e Isabel desde 1478 até 1834. Já a Inquisição Portuguesa foi instalada em 1521, criada pelo Papa Paulo III, que permaneceu investigando e julgando casos de violação das crenças do catolicismo romano ortodoxo até 1821.


De acordo com Henry Charles Lea, entre 1540 e 1794, os tribunais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora queimaram 1 175 pessoas vivas, queimaram a efígie de outras 633 e impuseram castigos a 29 590 pessoas. Também se ignora quantas vítimas morreram nos cárceres da Inquisição em resultado de torturas, doenças e maus tratos, ações realizadas com o beneplácito da Santa Madre Igreja e com autorização oficial.


A tortura foi autorizada pela bula Ad Extirpanda em 1252 pelo papa Inocêncio IV, que autorizava a tortura, e pela bula Ut Negotium de 1256 em que o Papa Alexandre IV permitia que os inquisidores se absolvessem mutuamente. Depois de tais bulas papais a tortura teve lugar seguro nos interrogatórios promovidos pela Santa Inquisição. No Brasil, os tribunais eclesiásticos atuaram em Minas Gerais entre 1700 e 1820, onde aconteceram 989 denúncias nas comarcas do Rio da Mortes, do Rio das Velhas, do Serro do Frio e na de Vila Rica.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Inquisi%C3%A7%C3%A3o


Pinterest

Um outro tipo de fogueira marcou a história das mulheres. O incêndio ocorrido no dia No dia 25 de março de 1911, na Triangle Shirtwaist Factory. O fogo na Triangle colocou a nu as péssimas condições de trabalho das costureiras e costureiros, em sua maioria mulheres e meninas imigrantes – russas, italianas, alemãs e húngaras–, que mal falavam o inglês. Havia até mesmo crianças de 12 anos de idade. Movidos pelo pânico com o fogo que se alastrava, os jovens tentaram escapar do edifício de qualquer maneira, mas as saídas de incêndio estavam trancadas por fora.

143 trabalhadores morreram, 14 homens e 129 mulheres. 49 não resistiram às queimaduras ou foram sufocados pela fumaça, 36 morreram no poço do elevador e 58 por pular do edifício. Dias depois, milhares de pessoas iriam acompanhar o funeral das vítimas ao longo da Quinta Avenida, em Nova York. Apesar dos indícios de que o incêndio fora criminoso, a Justiça absolveu os proprietários da fábrica.


Erroneamente, o dia 08 de março é comemorado como estando relacionado e este evento. Embora não seja verdade, é inegável que ele impulsionou o movimento feminista e sufragista nos Estados Unidos da América, na Europa e mundo afora.


O ano de 1975 foi designado pela ONU como o Ano Internacional da Mulher, e o dia 8 de março foi adotado como o Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidas, com a finalidade de lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, independentemente de divisões nacionais, étnicas, linguísticas, culturais, econômicas ou políticas.


A principal teórica no Brasil a trabalhar o tema do 8 de março é a socióloga Eva Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenadora do USP Mulheres. A criação da data foi motivada por fortes movimentos de reivindicação política, trabalhista, greves, passeatas e muita perseguição policial, e não somente pela morte de dezenas de mulheres exploradas pelo capital, diz Blay. Segundo ela, desvincular o 8 de março, hoje considerado um dia festivo e capitalista – em que patrões e empresas insistem em “presentar” funcionárias com maquiagem, flores e serviços em salões de beleza – da luta de operárias por melhores condições de trabalho, é uma maneira de apagar  o protagonismo das mulheres em sua própria história social e política.




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As mortes das mulheres em Nova Iorque, assim como tantas outras, impulsionaram o movimento feminista, que já era bem antigo em sua luta por melhores condições de trabalho da mulher e pelo sufrágio universal.


Em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhagen, Dinamarca, Clara Zetkin propôs a criação de uma jornada anual de protestos em prol dos direitos das mulheres, mas sem fixar uma data específica. A primeira comemoração oficial deu-se em 19 de março de 1911. Em 1915, a militante comunista Alexandra Kollontai organizou uma reunião em Cristiânia, perto de Oslo, contra a guerra. Em 23 de fevereiro de 1917 (8 de março no calendário gregoriano), houve uma greve de trabalhadoras russas do setor de tecelagem. Considerada por Trotski como espontânea e não organizada, a greve teria sido o primeiro momento da Revolução de 1917.



Americana segura seu sutiã para protestar em Atlantic City em 1968

A conhecida “Queima dos Sutiãs”, ocorrida no fictício episódio conhecido como Bra-Burning [Queima dos Soutiens], foi um evento que marcou o Movimento Feminista nos Estados Unidos e no mundo, em setembro de 1968.


O que ocorreu efetivamente, foi um protesto público em Atlantic City que reuniu cerca de 400 mulheres que repudiaram o concurso de beleza Miss America num ato de empilhar saltos, maquiagens, roupas e acessórios que, por pouco, não se transformaram em uma grande fogueira, pois o local não era público. Tudo girava em torno da busca pelo encerramento da exploração comercial feminina na mídia.


Este movimento de mulheres em 1968 repercutiu fortemente na França. Donas de casa e trabalhadoras foram às ruas pelo fim da opressão, misoginia e autoritarismo dominante por parte de seus patrões, pais, e até companheiros. A juventude não seu calou.


No entanto, o evento mais incendiário desde a “instalação” do patriarcado sobre a face da terra foi, seguramente, a introdução – nas prateleiras das farmácias – da pílula anticoncepcional. Com a pílula ocorre a dissociação entre procriação e prazer. Ao conquistar o orgasmo, a mulher rompe o antigo temor da maternidade indesejada e experimenta o direito de dar e receber prazer. O movimento feminista ganha status de revolução social.






OS MODELOS DE MULHER

Dialogando com Geraldino Netto, podemos dizer que no decorrer da história até hoje, as religiões abraâmicas inventaram o monoteísmo patriarcal em suas três religiões: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. Estas três religiões se fundamentam em três principais características: a repressão sexual generalizada, a submissão da mulher ao homem e criação de dois modelos de mulher, de um lado a mãe de família, a santa, e de outro a prostituta.


Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, descobriu que o homem tende a degradar a mulher para poder desejá-la, porque ele não deseja a mulher que ama, e não ama a mulher que deseja (Freud, 1912). Tal divisão decorre dos dois grandes modelos de mulher que existiram e ainda persistem na história da humanidade. Aquela que expõe sua exuberância sensual e Maria, de quem excluíram a sexualidade, limitando-a à função de mãe.


Quanto à Lilith, ela foi excluída e as religiões a demonizaram. Ela deu imensa contribuição para libertar a mulher da repressão religiosa. Descoberta nos anos 1950/1960 pelas mulheres judias americanas, só em 1970/1971 ela foi dada a conhecer. Desde então ela tem provocado muito o que falar. Muitos a defendem como novo modelo do feminismo, enquanto outros continuam a campanha de demonização.


Sim, Lilith transgrediu a Lei imposta pelo Criador, mas ela não foi uma "rebelde sem causa". Ela reivindicou igualdade de direitos e não foi atendida nem por Adão, nem pelo Criador. A luta de Lilith fez com que as mulheres do século 20 vissem nela uma inspiração, exemplo de tenacidade e perseverança. Apesar das conquistas realizadas, ainda falta muito para superar o modelo patriarcal. Mas, há esperança!


Para Geraldino Netto, o novo milênio mostra que. enquanto o feminino vai se fazendo cada vez mais presente e visível, a ponto de provocar uma crise de identidade nos homens que não estavam preparados para isso, novos modelos de mulher estão surgindo, como a famosa Gioconda, palavra que em italiano, significa alegre.


Wikimedia Commons


Para ele, a Gioconda de Leonardo da Vince pode muito bem ser o modelo da nova mulher. Já que os críticos de arte discutem se o rosto dela é de mulher ou de homem, seu sorriso malicioso e enigmático é típico do mistério feminino, que fascina quem a observa.

Geraldino Alves Ferreira Netto
https://www.associacaolivre.com.br/blog/artigo/a-mulher-e-o-monoteismo



E para você, qual é o seu modelo de mulher?




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