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Neste segundo módulo do livro/blog iremos em busca de mais algumas pistas para entender como A DEUSA MÃE VIROU DEUS PAI e a consequente subordinação da mulher ao homem, desta vez na tradição hindu. O épico Ramayana conta a história de Rama, o herói civilizador indo-europeu e sua desventurada esposa Sita.
No primeiro módulo do livro buscamos os rastros do surgimento do mito cristão de origem até suas conexões com o patriarcado e deste com o monoteísmo; concluímos que o domínio masculino existiu muito antes da aparição dos Patriarcas e do judaísmo, embora estes tenham, certamente, "carregado na tinta". Concluímos também que a sujeição da mulher teve origem quando a sociedade grupal, organizada em gens, clãs e tribos, deixou de ser comunitária para eleger a propriedade privada como forma de organização social. O advento da "cerca", ou seja, da propriedade privada, e a figura do "proprietário" fizeram toda a diferença. Junto com a terra, o rebanho e demais riquezas apropriadas individualmente, a mulher passou a ser "propriedade" dos homens: pai, irmão, marido. Essa transformação ocorreu simultaneamente com o período em que o "nosso" cedeu lugar ao "meu". Dessa transformação surgiu um conceito novo: o de herança! Para que o filho primogênito herdasse os bens do seu pai foi necessário cercear a liberdade da mulher a fim de que apenas um e único homem pudesse ter acesso a ela, única maneira, imaginaram nossos ancestrais, de garantir que seus descendentes fossem efetivamente seus. {será que deu certo?}
Tais mudanças só foram possíveis porque as armas, que antes eram usadas para caçar animais e alimentar a tribo inteira, foram redirecionadas para afugentar aqueles que desejavam pilhar o cercado, a propriedade. O homem passou a matar seus irmãos, seus iguais, a mulher passou a ser caçada {raptada, contam os mitos} e transformada em sua propriedade. Para defender os direitos dos proprietários surgiu o Estado, como ensinou Engels.
As religiões na Índia

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Assim como o restante do mundo, o continente indiano teve muitas culturas e muitas religiões antes de suas crenças serem registradas nos Vedas - Rigveda, Samaveda, Iajurveda, e Atarvaveda - que são suas escrituras sagradas. A história da Índia é longa e cheia de grandes vazios, por isso a arqueologia das palavras ajuda a buscar os sentidos e dão indícios para que se possa compreender as origens das atuais religiões lá existentes. Para começar, de onde vem o termo Hindu?
Hindū é como os antigos persas chamavam o rio Indo, que acabou dando nome para os povos que habitavam suas cercanias. O rio Indo é um dos sete rios mencionados no Avesta, escritura sagrada do zoroastrismo, religião dos antigos persas. Aqueles que habitavam o Vale do Indo não se auto denominavam assim, o termo persa ‘Hindūk’, ou ‘Hindū, entrou na Índia durante o Sultanato de Délhi em 1323 dC, cujo termo se referia a toda e qualquer tradição nativa da Índia, em contraste com os ensinamentos e costumes do islamismo, que passou a ser dominante depois da invasão árabe. O termo ‘hindu’ foi disseminado no Ocidente desde 1858, quando os direitos da Companhia Britânica das Índias Orientais foram transferidos para a coroa britânica, cuja colonização perdurou até 1947, ano em que o Reino Unido devolveu à Índia sua soberania. A partir da colonização inglesa o termo ‘Hinhu’ foi adotado para se referir ao povo nativo e, por extensão, ‘Hinduísmo’ para mencionar seu sistema religioso, cultura e tradições védicas. {Journal of the American Academy of Religion, Vol. 43, No. 1, 98+100. Mar., 1975}
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hindu%C3%ADsmo
Em sânscrito, a palavra Veda significa "conhecer". Assim como a Torá ou a Bíblia, são chamados de Vedas os quatro livros sagrados do hinduísmo. Seu núcleo é formado por hinos, mantras, orações, encantamentos, fórmulas e rituais, além de textos filosóficos e narrativas. Muitos historiadores consideram que os Vedas são relatos muito antigos, memorizados e repetidos pela tradição oral, cujos registros datam de aproximadamente 2 000 aC, porém, estima-se que outras partes são bem mais recentes. Contudo, se a ciência permite determinar a época em que os Vedas foram registrados por escrito, ainda há muitas dúvidas sobre a época em que eles foram compostos. Entretanto, se há dúvidas quanto sua datação, há consenso sobre o fato de que essa civilização milenar os criou, provavelmente entre 4000 e 6000 mil anos aC e foi repassando seu conteúdo oralmente, até a escrita ser inventada, momento em que tais ensinamentos foram registrados.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vedas
Junto com os Vedas somam-se os grandes épicos indianos, Ramayana e Mahabharata. O primeiro relata as histórias do príncipe Ramachandra de Ayodia e o segundo conta a história de dois clãs irmãos, os Kauravas e os Pandavas, em luta pelo trono de Hastinapura (localidade próxima da atual Nova Deli). Esta disputa foi resolvida na batalha de Kurukshetra (que significa campo dos Kurus), identificado como sendo o atual estado de Haryana, no norte da Índia, ocorrida em algum momento entre 3.100 aC e 800 dC. Essa batalha é mencionada no Rigveda, o mais antigo dos Vedas, assim como está registrada num baixo-relevo nas paredes do templo de Angkor Wat no Camboja, datado do século 12 da nossa era. Entretanto, há quem defenda que essa batalha deve ser entendida como uma parábola sobre a guerra que cada ser humano deve travar consigo mesmo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_de_Kurukshetra
O Hinduísmo não tem um fundador específico e não pode ser considerado como uma única fé. Ele forma um mosaico de diversos deuses, cultos, seitas e rituais que têm por base uma filosofia comum que antecede a época em que seus livros sagrados foram escritos. O principal ensinamento do hinduísmo, que unifica as expressões religiosas, é a busca do divino em tudo o que existe e a procura da verdadeira espiritualidade dentro de si mesmo.

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Segundo a teologia védica, no princípio de tudo havia apenas escuridão e silêncio. “Brahman”, a força do universo, o espírito cósmico supremo, que é uma entidade sem gênero e sem forma, fez surgir as ‘águas cósmicas’ e nelas depositou sua semente que, com o passar do tempo, se transformou em um ‘Ovo dourado’. Quando este foi quebrado, a casca de cima originou o céu, e a inferior formou a terra, e do seu interior surgiu uma divindade, “Brahma”, que recebeu a missão de criar o mundo e tudo o que nele existe. {Brahma foi desrespeitosamente adotado no Brasil como nome de cerveja, a “nº 1”}.

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Brahma é a expressão do mundo material. Ele tem quatro faces e quatro mãos. De sua cabeça vieram os brâmanes, sacerdotes que compõem a casta mais alta. De seus braços vieram a casta dos guerreiros, os xátrias. De suas pernas surgiram os comerciantes e lavradores, os vaixás. De seus pés vieram os sudras, a casta dos servos. Da poeira de seus pés vieram os párias ou intocáveis, seres fora do sistema de castas, considerados criaturas repugnantes e desprezíveis. Estas crenças propiciaram o surgimento da divisão em castas da sociedade indiana. A Índia permaneceu com esse sistema social até ele ser rejeitado pela Constituição Indiana em 1950. No entanto, elas ainda são aceitas culturalmente, interferindo diretamente na qualidade de vida da população indiana.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_de_castas_na_%C3%8Dndia
Por volta do ano 2 000 aC houve uma intensa miscigenação entre o Ocidente e o Oriente, resultado de mais uma onda migratória, entre as muitas e grandes ondas chamadas de migrações indo-europeias, começada milênios antes.
Os indo-europeus partiram da região que hoje chamamos de Irã, Ucrânia e Sibéria em direção à Europa e à Índia, numa série de ondas migratórias que miscigenaram povos, culturas, línguas e religiões. Os documentos mais antigos sobre crenças religiosas não são ocidentais, mas originários da Índia. O épico Ramayana conta a história de RAMACHANDRA, ou simplesmente RAMA e é peça chave para entender a subjugação da mulher e o surgimento de nova religião em conexão com o aparecimento do exército profissional e do militarismo.
Para muitos, RAMA não é originário da Índia, mas a sintetização dos povos arianos que chegaram ao Vale do Indo trazendo novos conhecimentos, nova organização social baseada em castas, e uma nova religião. Junto com tais mudanças Rama introduziu novos códigos para a subordinação da mulher na figura de sua esposa, SITA, que foi repudiada por ele sem qualquer prova de adultério, abandonada numa floresta, grávida de gêmeos, seus filhos.

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Para os hindus Ramachandra, ou simplesmente RAMA, é um avatar, filho de Dasharatha, rei de Ayhodya.
Curiosamente, e ainda sem explicações convincentes, o reino de Mitanni, famoso por sua rivalidade associada à cumplicidade estebelecidas com o Egito antigo, se caracterizou por cultuar deuses do hinduísmo, bem como ter reis cujos nomes são muito parecidos com os nomes dos reis que aparecem nos épicos indianos.
Thusratha foi rei de Mitanni e pai de duas princesas que se casaram com faraós egípcios. Os estudiosos também levantam a hipótese de ser Tera, pai de Abraão, apenas um diminutivo de Thursratha. Em hebreu antigo as letras T e D eram intercambiáveis, segundo Ahmed Osman, por isso os nomes Dasharatha e Thusratha podem ser simplesmente o mesmo. Alguns especialistas trabalham com a hipótese de interligação cultural entre o reino de Mitanni, no Oriente Médio e os épicos do Vale do Indo, na Índia.
Rama é o personagem central do Ramayana e aparece também no Mahabhárata. Bhárata é o nome do segundo filho do rei de Ayodya, irmão de Rama, e pode significar ‘povo primitivo’, Maha significa ‘grande’, portanto, Maha-bhárata pode ser interpretado como A Grande História da Dinastia Bhárata.
Embora seja contada como história de um ser, de um indivíduo, RAMA pode ter sintetizado em um personagem milênios de história oral, que foram passadas e repassadas de boca a ouvido, e que finalmente se fundiram num único mito, contado no épico indiano Ramayana.
Segundo a Enciclopédia Britânica, Ramayana significa Jornada de Rama, cujas estórias foram coletadas pelo sábio Valmiki e redigidas por ele em torno de 300 aC. O épico possui cerca de 24.000 versos.
O Ramayana é a saga dos conflitos em torno da sucessão ao trono do reino de Ayodhya e sobre o novo papel destinado às mulheres, quando estas passaram a ser disputadas como troféus nas guerras entre homens e reinos. Na epopeia, a jovem princesa Sitadhevi, ou apenas SITA é apresentada como modelo de virtude feminina que deveria ser seguido por todas as mulheres.
No mito, Sitadhevi é apresentada como filha da Deusa-Terra, surgida dentro de uma flor de lótus pousada num lago. Sita foi encontrada pelo piedoso rei de Mithila, Janaka Maharaja, que a criou como filha. Maharaja Janaka era guardião do famoso Arco de Shiva, que lhe fora dado de presente pela própria divindade. De tão grande e pesado que era, esse arco só podia ser transportado por uma junta de dez bois enormes. Anualmente havia um torneio onde se reuniam os guerreiros mais poderosos para tentar a proeza, mas nenhum deles jamais havia conseguido. E naquele ano o rei Janaka lançou um édito, onde Sitadhevi seria dada em casamento ao pretendente que conseguisse armar e usar o arco de Shiva.
Não longe dali havia outro reino, Ayodhya. Como estivesse muito idoso, Dasharatha, rei de Ayodhia, estava desejoso de abdicar em favor do seu filho primogênito, o príncipe Rama, porém, como pré-requisito, este deveria desposar uma princesa.
Sabendo que o rei Janaka, do reino de Mithila, estava promovendo um torneio real cujo vencedor teria como prêmioo direito de desposar sua filha, a princesa Sitadhevi, o príncipe Rama se dispõe a enfrentar o desafio. Segundo as regras do torneio, tornar-se-ia esposo da princesa aquele que conseguisse manusear o Arco de Shiva, esticar adequadamente o fio, disparar a flecha e acertar o alvo. Shiva era um dos deuses da trindade hindu e seu arco gozava de poderes mágicos, portanto a tarefa não seria fácil.
Rama possuía compleição delicada e era pouco mais que um adolescente, o que fez o rei de Mithila ficar relutante em aceitar o candidato, porém, acabou permitindo que Rama se apresentasse no torneio como pretendente à mão de Sita.

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Rama saiu-se muito bem, foi o único que conseguiu manusear o arco, colocar o fio, atirar a flecha e acertar o alvo. Entretanto, numa demonstração inequívoca de poder, quebrou o arco do deus Shiva ao meio. Todos ficaram espantados e maravilhados com tal feito. A princesa Sitadheva então aproximou-se do Príncipe Rama, presenteou-o com uma guirlanda de flores e aceitou-o como seu noivo. Vencedor, Rama casou-se com Sita e ambos partiram para o reino de Ayodhya.
Ocorre que a esposa mais jovem do rei Dasharatha, Kaikeyi, não esperava que Rama obtivesse sucesso em sua empreitada e que voltasse ao reino de Ayodhya vitorioso e casado, condições que o levariam direto à sucessão do trono ocupado por seu pai. Revoltada com a situação, uma vez que ela desejava que Bhárata, seu filho, fosse o sucessor, Kaikeyi, a mais jovem das esposas do rei, lembrou-lhe de uma promessa que o rei lhe havia feito alguns anos antes, quando ela o salvou da morte numa batalha. Naquela ocasião o rei Dasharatha lhe disse que ele lhe devia a vida e que ela poderia lhe pedir o que quisesse. Havia chegado a hora!
Kaikeyi então pediu ao rei que conduzisse seu filho, Bhárata, ao trono, elegendo-o como seu sucessor no lugar de Rama, o primogênito.

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Dasharatha tinha três esposas, Kaushalya, Sumitra e Kaikeyi. A primeira esposa, Kaushalya, deu à luz a Rama, o primogênito. A segunda esposa, Sumitra, deu ao rei dois filhos, Lakshman e Shatrughna. E a mais jovem das esposas, Kaikeyi, gerou Bhárata. Ocorre que quando o rei Dasharatha decidiu abdicar do trono em favor do príncipe Rama, a ambiciosa Kaikeyi resolveu lembrar o velho rei de sua promessa e pediu que o seu filho Bhárata fosse coroado rei, e não Rama, devendo esse abandonar o reino de Ayodhya. O rei, ficou abatido, mas, sem poder voltar atrás em sua promessa e reconhecendo a palavra dada, aceitou os pedidos da terceira esposa.
Todos os conselheiros do rei condenaram o pedido de Kaikeyi sugerindo ao rei que mantivesse a ordem de sucessão. Rama, entretanto, sabedor do caráter de seu pai e sabendo do respeito que o mesmo tinha pela palavra dada, concordou em ceder o trono a seu irmão Bhárata. Com essa decisão tomada, Rama se exilou na floresta levando sua jovem esposa, a princesa Sita junto com ele, sendo acompanhados pelo seu outro meio irmão, Lakshmana, com quem mantinha grande afinidade.
Devido ao grande descontentamento provocado por essa situação, o rei Dasharatha partiu desse mundo. Bhárata, no entanto, não estava confortável com a situação criada por sua mãe, por isso decidiu ir ao encontro de seu irmão, Rama, a fim de persuadi-lo a voltar para Ayodhya e ser devidamente entronado como legítimo rei.
Rama, Sita e Lakshmana, que haviam se exilado na floresta ficaram surpresos com a visita de Bhárata e, não obstante os argumentos apresentados por ele, Rama convenceu-o a voltar, assumir o trono e governar Ayodhya, pois com esta atitude estaria honrando em definitivo a palavra empenhada pelo pai de ambos, que era reconhecido como um rei justo.
Não longe dali, o reino de Sri Lanka era governado pelo poderoso Ravana, tido por muitos como perverso, um verdadeiro demônio, que naquela ocasião estava em busca de um casamento. Sabendo do exílio de Rama na floresta, Ravana montou uma estratégia para raptar Sita e fazer dela sua esposa.
Através de meios mágicos Ravana enviou um cervo dourado para ser visto por Sita, que pediu a Rama que o capturasse. O animal embrenhou-se na floresta e, sem saber do perigo que rondava Sita, Rama e Lakshmana foram em busca do cervo dourado, afastando-se de onde Sita se encontrava. Era o que Ravana desejava.

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Desejoso de encontrar uma esposa, Ravana aproveitou que Sita encontrva-se só e raptou-a levando-a para capital do seu reino, Sri Lanka, na ilha do Ceilão. Ao chegar, ele foi recebido com festividades por toda a cidade, que comemorou a chegada de seu líder. Orgulhoso de poder apresentar Sitadhevi como troféu, Ravana dirigiu-se a seu palácio. Tentando ser educado a fim de conquistar a simpatia da bela Sita, Ravana a cortejava, mas ela rejeitava resolutamente as atenções de Ravana e esperava confiante que Rama viesse salvá-la.
Descoberto o rapto, Rama e seu irmão partiram para resgatá-la. Ao chegarem ao sul da Índia, eles se sentiram impotentes para atravessar o mar e chegar à ilha de Sri Lanka. Diante do desafio, eles se aliaram ao exército dos macacos e com a ajuda do macaco general Hanuman, planejaram uma estratégia para invadir o Sri Lanka e libertar Sita.

Hanuman - Wikimedia Commons
Sendo um general, Hanuman conhecia a arte da guerra. Além disso, Hanuman possuía poderes extraordinários e, na batalha entre Rama e Ravana, ele teve um papel de destaque. O mais intrigante da epopeia militar narrada no Ramayana é seu paralelismo com o novo papel destinado à mulher.
A Ponte de Rama é a explicação mitológica para um fenômeno geológico que realmente existe, fotografado pela Nasa.

https://thoth3126.com.br/o-ramayana-uma-epopeia-hindu/
A batalha de Lanka inicia-se. Até os deuses combateram. A guerra parecia não ter fim e os mortos eram muitos. Os deuses estupefatos assistiam aos disparos certeiros do arco de Rama, que arrancavam a cabeça de Ravana, que voltava a nascer depois de atingida e era novamente arrancada. Então Rama atirou uma flecha certeira no umbigo do pérfido, matando-o.
Com a libertação de Sitadhevi, o casal regressou triunfante para a próspera cidade de Ayodhya. Todos os cidadãos do reino ficaram felizes com a notícia da volta de Ramachandra. O rei de Ayodhya, Bhárata, que nunca havia desejado o trono para si, providenciou pessoalmente todos os arranjos necessários para a coroação de seu irmão Rama como o legítimo rei. No entanto, novamente a aflição recaiu sobre Sita, alvo de terríveis suspeitas sobre sua fidelidade no tempo em que esteve prisioneira.
Os integrantes de uma família real são sempre objetos de críticas estejam eles na floresta ou no trono. Rama sabia dos murmúrios que circulavam na corte. O que exatamente se dizia de Sita? Ao ouvir a pergunta de Rama, Bhadra, seu fiel súdito lhe respondeu:
Tendo matado Ravana na luta e recuperado Sita, tendo dominado sua raiva, o senhor Rama trouxe sua esposa para casa novamente. Mas: "Que prazer seu coração pode sentir em possuir Sita, a quem Ravana segurou em seu colo quando a raptou? Como é que Rama não se encheu de aversão por ela depois que ela foi levada para Lanka e conduzida para o bosque de Ashoka, onde foi deixada à mercê dos titãs? Nós agora teremos que tolerar a mesma situação a respeito das nossas próprias esposas, já que o que um rei faz, seus súditos seguem!' "Essas são as palavras correntes em todos os lugares entre as pessoas da cidade e do campo, ó rei". {capítulo 43 do Ramayana - grifo nosso}

Agni Pariksha - Wikimedia Commons
Rama pediu a Sita que aceitasse se submeter a Agni Pariksha, a prova do fogo que provaria sua pureza. Sentindo-se ultrajada em sua honra, Sitadhevi atirou-se nas chamas do fogo de sacrifício. Então, de súbito, o próprio semi-deus do fogo, Agnidheva, saiu do meio das chamas carregando a bela e casta Sita em seus braços, intocada pelo fogo. Todos que assistiram ao evento ficaram maravilhados pelo fato dela não ter sofrido nada em meio as chamas e reconheceram que o fato dela não ter sido atingida pelo fogo era uma confirmação de sua pureza. Mas nem todos os súditos ficaram convencidos. Assim, os murmúrios continuaram.
Não resistindo à pressão dos maledicentes, Rama usou de um artifício para banir Sita para a mesma floresta em que eles haviam passado juntos durante os 14 anos de exílio.
Resolutamente, disse Rama: "Se vocês me consideram com reverência então me obedeçam e levem Sita embora daqui hoje mesmo", dando a seguinte instrução. "Anteriormente ela apelou para mim dizendo que gostaria de visitar os retiros sagrados das margens do Ganges. Então que seu desejo seja realizado"! {capítulo 45 do Ramayana}

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Sita ficou feliz em saber que seu desejo de visitar alguns retiros sagrados seria realizado. Assim, ela partiu com alegria para a viagem, mal sabendo que estava sendo novamente conduzida ao exílio. Assim conta o Ramayana:
"De acordo com o desejo que tu expressaste, o senhor Rama me encarregou de te levar aos retiros desejados. Eu te levarei àqueles eremitérios habitados pelos sábios", disse-lhe Lakshamana.
Lakshmana, tomado pela dor, mandou a embarcação zarpar. Chegando à margem mais distante do Bhagirathi, Lakshmana, com palmas unidas, seu rosto banhado em lágrimas, disse: "Uma estaca foi cravada em meu coração pelo nobre e virtuoso Rama. A morte seria melhor para mim neste dia, realmente a morte seria preferível à missão na qual estou engajado e que o mundo vai condenar. Perdoa-me e não imputa essa ofensa a mim, ó princesa ilustre".
Depois disso, prestando reverência, Lakshmana atirou-se ao chão. Ao vê-lo chorar, prestando-lhe homenagem e invocando a morte, Sita, alarmada, disse: "O que é isso? Eu não entendo nada; dize-me a verdade, ó Lakshmana, por que tu estás agitado? O rei está bem? Conta-me a causa da tua dor!"
Lakshmana, com seu coração cheio de angústia, de cabeça baixa, sufocado com soluços, dirigiu-se a ela dizendo: "Ao saber em conselho aberto que ele era objeto de crítica severa na cidade e no campo por tua causa, ó filha de Janaka, Rama, de coração partido, voltando para casa me falou sobre isso. Eu não posso repetir as coisas faladas em confiança para mim, ó rainha. Embora tu sejas irrepreensível aos meus olhos, o rei te repudiou. A condenação pública o perturbou; não interpretes mal o assunto. Eu estou prestes a te deixar nas imediações dos eremitérios sagrados. O rei me mandou fazer isso sob o pretexto de satisfazer um desejo teu. Os retiros dos ascetas são sagrados, não te entregues ao sofrimento, ó adorável. O principal dos rishis, Valmiki, era um grande amigo do teu pai, o rei Dasaratha. Refugiando-te sob a sombra dos pés daquele magnânimo e vivendo em castidade, sê feliz, ó filha de Janaka. É por permanecer fiel ao teu senhor e praticar devoção a Rama em teu coração que tu, por tua conduta, obterás felicidade suprema, ó deusa".
Capítulo 48 – Lakshmana deixa Sita nas margens do Ganges
Ouvindo as palavras duras de Lakshmana, a filha de Janaka, dominada pelo desespero, caiu no chão, mas, recuperando a consciência depois de um tempo, com seus olhos banhados em lágrimas, ela se dirigiu a ele com voz entrecortada, dizendo:
Seguramente esse meu corpo foi criado para o infortúnio. Que pecado eu posso ter cometido nos tempos passados ou a quem eu separei de seu marido, que eu, que sou virtuosa e casta, deva ser rejeitada pelo rei? Antigamente eu vivi na floresta seguindo os passos de Rama e estava contente no infortúnio em que me encontrava, agora, como eu posso, abandonada por todos, viver na solidão, ó querido Lakshmana? A quem eu confiarei a aflição que me oprime? O que posso dizer aos ascetas? Por qual pecado, por qual razão eu sou repudiada? Eu não posso abandonar minha vida nas águas do Ganges para que eu não acabe com a linhagem real! Portanto faze o que te foi ordenado, deixa-me em minha situação miserável! Tu deves cumprir as ordens do rei, porém, te dirijas ao rei. Com a cabeça baixa, ó Lakshmana, dize ao rei: Tu sabes que eu sou verdadeiramente pura e que eu tenho estado ligada a ti por amor supremo, mas tu renunciaste a mim por medo da desonra, porque os teus súditos te criticaram e repreenderam. Tu deverias, no entanto, ter me poupado, pois tu és o meu único amparo. Repete estas palavras para Rama, é tudo que eu te peço. Saiba que eu estou grávida. Agora parte.
Assim falou Sita. Profundamente triste, Lakshmana curvou-se até o chão sem ser capaz de responder a ela.
Tomado pela angústia, Lakshamana chegou à outra margem, mas voltando-se repetidas vezes para contemplar Sita, a viu como que desprovida de todo apoio, vagando no outro lado do Ganges. Com seus olhos fixos na carruagem que levava Lakshmana, agora bem distante, Sita foi tomada de tristeza, e, esmagada pelo peso de seu infortúnio, a mulher ilustre, nobre e virtuosa, vítima do desespero, irrompeu em altos soluços.
Sem um murmúrio, a infeliz Sita arrastou-se para a floresta. Depois de muito andar ela encontrou um erimitério, onde pediu ajuda. Lá vivia um ermitão, Valmiki, que abrigou-a. E, naquele pequeno paraíso, Sitadhevi deu à luz a gêmeos, Luv e Kush, que cresceram belos e fortes, sem saberem de sua verdadeira filiação. Sita revelou sua infeliz vida ao sábio Valmiki, que as relatou no poema épico Ramayana.
Rama já estava há vinte anos como rei de Ayodhya, a mesma idade dos filhos gêmeos que ele jamais suspeitara serem seus. Mas, algo o incomodava e Rama começou a pensar que talvez os deuses estivessem zangados com ele por ter matado Ravana, que era filho de um brâmane. Rama resolveu propiciar um ritual Ashvamedha aos deuses.
O Ashvamedha era um ritual conhecido como "sacrifício do cavalo" pela religião védica. Foi usado pelos antigos reis indianos para provar sua soberania imperial. Um cavalo acompanhado por guerreiros do rei era solto para percorrer o reino pelo período de um ano. A liberação do cavalo era interpretada como sendo um convite para quem quisesse disputar a autoridade do rei. Ao andar livremente em um território controlado por alguém que não reconhece a autoridade do rei, era como se fosse um chamamento para que qualquer rival desafiasse os guerreiros invasores que acompanham o cavalo. Depois de um ano, se nenhum inimigo tivesse conseguido matar ou capturar o cavalo, o animal deveria ser guiado de volta para a capital do rei. Seria então sacrificado, e o rei seria declarado um soberano inquestionável. Então Rama promoveu o lançamento do cavalo junto com os guerreiros que o acompanhavam dando início ao ritual
Ao final de um ano, como o cavalo não havia voltado e nem o grupo de guerreiros, Rama enviou um novo grupo de guerreiros em busca do cavalo. Depois de muito procurar, este foi encontrado na posse de dois jovens fortes e belos que resistiram aos esforços daqueles que vieram para capturá-lo. Rama foi informado que o cavalo estava na posse de dois jovens e que havia resistência por parte dos mesmos em devolvê-lo. Então Rama dirigiu-se à floresta pessoalmente e qual não foi sua surpresa ao descobrir que aqueles belos rapazes eram filhos e Sita, e dele próprio, pois viu neles sua própria imagem.

Luv e Kush - Wikimedia Commons
Golpeado pelo remorso, Rama lembrou de todo sofrimento que sua esposa Sita havia passado e de sua expulsão do reino de Ayodhya. Sabendo que ela estava no eremitério de Valmiki, Rama a chamou para voltar para Ayodhya. Rama insistiu, arrependido por ter abandonado Sita sem que esta tivesse qualquer culpa, Rama imaginou todo o sofrimento dela para criar sozinha seus filhos. Rama tentou consertar o estrago feitos em suas vidas, chamando-a e aos filhos para voltarem ao palácio com ele. Eles aceitaram.
Sitadheva voltou ao palácio, mas não foi bem recebida. Cegamente, o povo exigia em altas vozes: A prova! A prova! Tão profundamente abalada ficou Sita por aquela reiterada suspeita do povo a respeito de sua reputação que implorou aos deuses um incontestável testemunho de sua inocência.
Durante os longos anos de exílio na floresta, ela teve tempo para reavaliar o amor que sentira por Rama em sua juventude e o resultado não foi auspicioso. Desejosa de ter sua dignidade restabelecida, diante de todos aqueles que haviam murmurado contra sua honra, Sitadheva fez o seguinte apelo:
Se a Deusa da Terra reconhece que eu, Sitadheva, sempre amei e respeitei Rama, a quem dediquei fidelidade e pureza, que ela, a Deusa da Terra, venha buscar-me, que abra seu seio e me leve com ela!
Eis que o chão se abriu, um belo trono apareceu e a Deusa da Terra sentada nele levou Sita para o reino da felicidade eterna. Sita desapareceu exclamando: Eis a prova!
https://www.britannica.com/topic/Ramayana-Indian-epic
https://thoth3126.com.br/o-ramayana-uma-epopeia-hindu/
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/epopeias.pdf

Friso com cenas esculpidas do Ramayana no templo de Kailasa, Bombaim, Índia. Creative Commons
A história de Rama e Sita se espalhou com algumas variações pelo sudeste da Ásia, especialmente Camboja, Indonésia e Tailândia. Inúmeros templos retratam o épico Ramayana. No entanto, impressiona o fato de a maioria dos relatos terminar na guerra contra Ravana e a volta triunfal de Rama e Sita para o reino de Ayodya, como se o ramayana terminasse aí. Você pode constatar esse fato procurando na internet sobre a histótia de Rama e Sita.
Raras informações sobre a continuidade da história, do segundo exílio de Sita, grávida de gêmeos, num erimitério da floresta, local onde ela habitou por mais vinte anos enquanto cuidava dos seus filhos. No entanto, abundantes são as informações que colocam o casal como símbolo do amor eterno. A história deles é idealizada para representar a relação harmoniosa entre os cônjuges, a família e a sociedade. Segundo os hindus, a simbologia de Rama e Sita retrata o modelo ideal de homem, de mulher e de sociedade, com sua severa divisão de classes. (voltaremos a este tema)
O poema goza de imensa popularidade na Índia. Um brâmane, ao abençoar uma mulher diz: Seja igual a Sita! Paciente, abnegada, fidelíssima e casta, aquela que, mesmo atormentada pela amargura, não deixa escapar de seus lábios nem uma queixa, nem um lamento contra quem lhe impõe a dor. Considera o sofrimento como um dever e o cumpre resignadamente, jamais se revolta e, embora aflita e lacrimosa, releva a terrível injustiça do seu desterro. Há muitas versões do Ramayana, mas todas relatam o abandono de Sitadhevi, bem como o fato dela ter criado seus filhos sozinha, sem a ajuda de Rama. Sitadhevi é considerada o modelo a ser seguido, a personificação do sacrifício da esposa e imagem idealizada de mulher.
O novo modelo de mulher, subserviente, foi expandido por todo o mundo nas migrações indo-europeias por volta de 2000 aC a fim de se contrapor ao antigo modelo da Deusa-Mãe politeísta, soberana em seu trono e ameaçadora da nova ordem que emergiu a partir da derrocada do modelo comunitário que sustentava a supremacia dos interesses do clã sobre os interesses individuais, violentamente substituído pelo novo modelo imposto pela “cerca”, pela propriedade privada, pelo individualismo, pelo predomínio do “meu” sobre o “nosso”. Para que esse novo modelo desse certo foi preciso subjugar a mulher ao “proprietário”. Junto com ela, aqueles considerados “mais fracos” também foram subjugados. As armas usadas na defesa do clã agora se voltavam para impor a nova ordem.
