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OS SÍMBOLOS DE MADALENA

Atualizado: 4 de ago. de 2022


O sistema patriarcal, associado ao poder da Igreja Católica Romana, deu origem a uma sociedade essencialmente masculina. A mulher passou a ser criada desde pequena para se submeter ao homem no casamento. Na Idade Média, a barreira que separava os dois sexos era tão alta que o homem desconhecia a mulher e, por isso, a temia e a desprezava ao mesmo tempo. Sabemos que essa misoginia não começou com a Igreja, contudo, ela “carregou nas tintas” mesmo antes de existir oficialmente.



Fonte: https://wiki2.org/en/First_Council_of_Nicaea


Os ataques de Pedro contra Madalena aparecem no Evangelho de Maria, que data seguramente do século II. Aí se mostra Levi, discípulo de Jesus, respondendo a Pedro quando este critica a Madalena: ‘Se o Salvador a fez digna, quem é você então para desprezá-la? Com certeza, o Salvador a conhece bem; por isso a amou mais que a nós”.


A irritação de Pedro para com MM demonstra a existência de um conflito latente, que iria se revelar logo depois da morte de Jesus, dando origem aos diferentes e divergentes grupos do Cristianismo Primitivo. Mas esse é um outro tema a ser enfrentado. O que podemos comprovar é que a IGREJA de PEDRO começou sua cruzada contra a mulher desde sua fundação.


Na sua cruzada pelo predomínio masculino a IGREJA precisou demonizar a mulher para conseguir seus objetivos. Maria Madalena sofreu uma terrível perseguição desde o início.



PROSTITUTA! Assim MM foi chamada pelo Papa Gregório Magno no ano de 591 durante um sermão sobre o arrependimento como condição para a remissão dos pecados. Ele chamou MM de prostituta, aquela que havia se tornado penitente por ter se arrependido dos seus pecados. Nascia ali uma lenda que percorreu a história.


No entanto, a questão não era somente demonizar por demonizar a mulher. O PROBLEMA ERA A HERANÇA! A Igreja começou a disputar os bens materiais que a mulher e filhos herdavam do casamento com os padres. Conclusão: Os padres não poderiam se casar! Nasceu aí a obrigatoriedade do CELIBATO


Sua origem vem desde os concílios de Elvira e Niceia que começaram proibindo os padres de se casarem depois de ordenados. Os que já eram casados, paciência...


PROIBIR OS PADRES DE SE CASAREM NÃO FOI TAREFA FÁCIL, E DESTRUIÇÃO DA IMAGEM DE MM TEVE TUDO A VER COM ISSO.


Em 305 o Concílio de Elvira, (Espanha)decretou 81 normas, entre elas a que proibiu todos os clérigos de ter relações com as suas mulheres e procriar; se alguém o fizesse, seria excluído do clero. Cá pra nós, esse decreto é uma grande besteira, pois não há como verificar seu cumprimento.


Em 325, o concílio de Niceia foi convocado pelo Imperador Romano Constantino I, que organizou e presidiu o concílio nos moldes do senado romano. Neste concílio foi proibida a presença de uma mulher mais jovem na casa de um clérigo. As idosas não só poderiam como DEVERIAM estar lá para cozinhar, lavar, passar...


Em 325, o Concílio de Laodiceia proibiu as mulheres de possuírem paróquias; opa, essa informação é interessante, ou seja, as mulheres conduziam os cultos e paróquias.


Em 425, o Concílio de Cartago, decretou que todo o alto clero deveria se separar de suas esposas, sob pena de perder seus direitos sacerdotais. Muita ameaça!


Em 1123, o Concílio de Latrão decretou a invalidade do matrimônio dos clérigos. Em 1139 decretou que os clérigos não poderiam casar ou mesmo se relacionar com concubinas (outro decreto inútil).


Em 1298 o Papa Bonifácio VIII emitiu um decreto chamado Periculoso, sobre a situação perigosa e abominável de certas freiras, que, largando as rédeas da respeitabilidade e abandonando descaradamente a modéstia e a timidez natural de seu sexo […] tanto no presente como no futuro, de qualquer comunidade ou ordem, em qualquer parte do mundo que estejam, devem doravante permanecer perpetuamente enclausuradas em seus mosteiros [...] para que possam servir a Deus mais livremente, totalmente separados do olhar público e mundano e, eliminadas as ocasiões para a lascívia, possam guardar diligentemente seus corações e corpos em completa castidade.


Em 1309 o decreto Periculoso foi confirmado pela encíclica Sedis, Papa Clemente V.


Em 1566 foi promulgada a Circa pastoralis do Papa Pio V, que estendeu os decretos de clausura do Concílio de Trento de 1563 a todas as monjas de todas as ordens.


Em 1570 o Papa Pio V promulgada a Decori et honestati que atribuiu ao bispo da diocese, a vigilância do cumprimento deste decreto, com total controle e autoridade masculina sobre as monjas.

Em 1563 o Concílio de Trento reiterou o decreto e acrescentou novas e rígidas sanções para os violadores. Ou seja, mais de um milênio de perseguição aos padres para forçá-los ao celibato, sem conseguir. O exemplo mais contundente desse fracasso da Igreja é o Papa Alexandre VI, nascido Rodrigo Borgia e Papa de 1492 até 1503.



Post da série Os Borgias - Wikimedia commons

O Papa Alexandre VI teve 8 filhos com diferentes mães, entre eles Lucrécia Bórgia e Cesare Bórgia, cuja vida dedicada à manipulção inspirou Maquiavel a escrever sua grandiosa obra: O Príncipe!

“A soberania se conquista através da astúcia e da traição, conserva-se através da mentira e do homicídio, perde-se pela lealdade e pela compaixão”. Maquiavel


Quanto mais a Igreja Romana se perdia na devassidão, maiores eram os ataques às mulheres, culpadas pelos atos insanos do clero e por extensão de todos os homens.


Utilizando o método comparativo entre as datas em que as pinturas de MM foram realizadas pelos artistas medievais e renascentistas e os decretos e encíclicas papais, fica claro que a Igreja manipulou a imagem de MM com uma finalidade específica: servir de exemplo para todos os homens {sobretudo os padres} e todas as mulheres. MM foi usada como modelo.Não importa queuma mulher seja uma santa, como MM, pois ela sempre poderá ser uma prostituta, como MM. Esse era o recado, que ainda ronda o imaginário dos homens.


Giotto (1300) detalhe - Wikipedia.org


Gradativamente, a representação pictural de MM vai deixando a modéstia e sobriedade para ir se tornando cada vez mais sensual, indicando que o pecado estava lá, presente.


Gillis Coignet (1542–1599) - Wikimedia Commons


A verdadeira história de MM sofreu a mesma censura e distorção que as narrativas de Lilith e Sita {que estão em posts anteriores}, com uma diferença. Tanto Lilith quanto Sita foram personagens mitológicos, elas não existiram em carne e osso, suas histórias foram projetadas para comporem uma narrativa, que era do interesse do mundo patriarcal em ascensão. No entanto, MM existiu.


Para entender essas diferentes narrativas que se entrelaçam, é preciso compreender a linguagem de cada uma delas, que se dão através dos símbolos. Antes da invenção da tipografia, quando os livros eram feitos de um em um, as pinturas eram como livros para divulgar conhecimentos. Portanto, nada aqui é por acaso. Cada detalhe do quadro conta!


Iluminura medieval - autor desconhecido

Conta a lenda que MM passou os últimos 30 anos de sua vida em uma caverna, penitente, e suas roupas foram ficando destruídas com o tempo, ao mesmo tempo que seus cabelos cresciam. Contudo, desde tempos antigos os cabelos femininos são símbolo sexual. Mostrá-los é um tabu em muitas culturas, pois eles só podem ser vistos na intimidade do lar. Apenas uma mulher "desonrada" mostra seus cabelos. Sendo "pecadora" MM é mostrada sempre com seus longos cabelos {outro fetiche} à vista.


Gillis Coignet (1542–1599) - Wikimedia Commons


O livro e o crânio são símbolos de MM. Juntos ou separados, são uma referência à sabedoria e à herança. A palavra sabedoria vem do grego Sofia, que está relacionada ao conhecimento, ou seja, Gnose.


Gnose, em grego, significa conhecimento superior. Não é qualquer tipo de conhecimento, é o conhecimento que se transmite mediante os ritos de iniciação. O livro que MM segura nas mãos ou que está ao seu lado representa o conhecimento superior, o conhecimento iniciático. Nós podemos dizer que MM é SOFIA.


De origem grega, Sophia também significa “sabedoria”. FILOSOFIA significa amor pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância. "Quanto mais sei, sei que nada sei".


A única certeza que cada ser humano tem é que um dia vai morrer. Esta Lei rege a humanidade. Para os gnósticos, o crânio simboliza a morte, não aquela que termina sete palmos abaixo, mas, a morte como portal, como passagem. A morte é uma travessia tenebrosa, sem dúvida, mas é apenas uma passagem. O crânio é um símbolo que indica a continuidade da vida.


Livro e crânio simbolizam a sabedoria das coisas espirituais, do conhecimento que se transforma em sabedoria e vence a morte. Sabedoria é diferente de conhecimento, embora ambos sejam representados por um livro. O Conhecimento é adquirido, mas Sabedoria só pode ser conquistada através da Consciência, que só é plena quando a razão está em harmonia com a emoção, podendo então fluir como a água do rio que une as duas margens, a do mundo sensível e a do mundo racional.


Francesco Trevisani (1727) - Wikimedia Commons


O crânio está associado ao Gólgota, ou Calvário, palavra que tem sua origem etimológica em uma expressão grega “local da caveira”, ou seja, um monte ou elevação onde era costume torturar e crucificar aqueles que ameaçavam o império romano em Jerusalém.


Georges de La Tour (1593–1652) - Wikimedia Commons


O crânio no colo de Madalena simboliza aquele que foi crucificado, Jesus, o pai do filho que ela espera. Juntos ou separados, o crânio e o livro são símbolos que identificam MM. Estar associada ao livro indica sua condição de iniciada e portadora do conhecimento divino. Não por acaso ela foi chamada de Apóstola dos ApóstolosO crânio também está associado à herança. Não a herança de bens materiais que a Igreja tanto queria, mas a herança deixada por nossos pais. O crânio simboliza descendência, linhagem. Esse quadro é muito significativo, pois faz uma correlação ainda mais explícita entre o crânio no colo e o bebê que está por nascer.


Hoje a ciência tem como comprovar a descendência e a ascendência de uma pessoa ou mesmo de um povo inteiro ao fazer a amostragem do DNA mitocondrial, que se faz através da linhagem materna.


Juan de Juannes (1507-1579)


O que o artista renascentista espanhol, Juan de Juanes, quis dizer com o nó na toalha da mesa da Última Ceia, nesse quadro?


O "nó" está alinhado com o jarro, um símbolo de MM, com o cálice, também chamado "Graal", outro símbolo de MM, e com Jesus, que abraça afetuosamente o suposto apóstolo João. Realmente, esta narrativa é um grande nó.


Se dermos uma olhada na história, veremos que o símbolo do "nó" vem de longa data. No Egito ele estava relacionado com Ísis. Ele era ao mesmo tempo um nó e o ank, símbolo da vida, eternizados pela Cruz Ansata. Esse nó também está relacionado com o deus Hapi, um ser andrógino, caracterizado por sua grande barriga, seu único seio e seu cavanhaque postiço. A forma de pintar e esculpir esse ser andrógico foi resolvida pelos artistas egípcios retratando-o como um par de gêmeos.


Wikimedia Commons

Hapi era o deus da inundação anual do Nilo, portanto, o deus da FERTILIDADE. A inundação depositava o rico lodo nas margens do rio, onde eram plantadas as sementes que dariam generosas colheitas. Seu lado feminino mostra (apenas) um seio caído e um grande ventre. Seu lado masculino é representado pelo seu cavanhaque postiço. Hapi representa a união entre os pares de opostos: masculino/feminino, alto/baixo Egito, dia/noite, Céu/Terra, vida/morte … Este nó representa a continuidade da vida na outra vida, assim como a continuidade da vida na sua descendência. Não há oposição excludente nesses pares de opostos, pelo contrário, ao amarrar fortemente o "fio da vida", o deus Hapi mostra que a ligação entre os opostos era simbolizada por um nó, o Nó de Ísis.



Estátua de Ísis romana - Wikimedia commons


O nó está relacionado a outros símbolos, como o sistro e a Cruz Ansata. O sistro era tocado no momento do nascimento e nas cerimônias fúnebres {nascimento para a outra vida}. A Cruz Ansata era o símbolo da vida, portado por todos os deuses egípcios.



O nó de Ísis também representa o "sangue de Ísis", frequentemente usado como amuleto funerário de pedra semipreciosa vermelha, colocado por entre as bandagens que cobriam o corpo mumificado, geralmente na altura do coração ou do umbigo, a fim de garantir proteção e continuidade da vida após a morte.


Os símbolos do nó, do laço ou do cinto serão recorrentes na iconografia medieval e renascentista, ao retratar MM, indicando que a ideia da continuidade da linhagem real, não eram coisas estranhas. Essas ideias circulavam pelo imaginário da época, talvez até mais fortemente que nos dias de hoje, tema que ainda choca muitas pessoas.


Conegliano da Cima (1459-1517)


Maria Madalena. França. Século XVI


Ao estudar sua iconografia, vemos que esta incrível mulher foi transformada de apóstola em uma prostituta arrependida.


O Código Da Vinci, livro de Dan Brow depois transformado em filme, é acusado de criar uma narrativa extravagante sobre a linhagem davídica de Jesus e Maria Madalena, contudo, ele não trouxe nada de novo, nem para os amantes da Arte, nem para os pesquisadores. Tanto o casamento dinástico quanto a linhagem sagrada faziam parte das produções artísticas medievais e renascentistas, apesar desse tema jamais ter sido enfrentado com objetividade pela Igreja.



Este tema está sendo devidamente enfrentado em um curso que estou oferecendo gratuitamente pelo canal Paz e Bem, no youtube. Este post se refere a aula "Os símbolos de Madalena".


Estou disponibilizando um artigo em PDF no final do site: Análise dos símbolos gnósticos na iconografia medieval e renascentista, caso você queira fazer download.


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