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Origens do Amor Cortês



O Ducado de Aquitânia instituiu o Amor cortês, que no começo foi meio machista, irreverente e cínico, mas com o passar do tempo as mulheres “roubaram a cena” e fizeram uma verdadeira revolução, mudaram a si mesmas, e depois os homens. Eles se tornaram mais civilizados, mais gentis e saíram ganhando com isso, pois passaram a ser amados e desejados. Já os maridos violentos e espancadores fizeram por merecer o chifre e a ignorância do que se passava bem debaixo do nariz deles. Mas, o que Aquitânia tinha de tão especial para promover tantas, tão profundas e duradouras revoluções?



Aquitânia estava localizada entre a Espanha muçulmana e moura, e a França católica romana. A Espanha criou o Flamenco, uma Dança Tradicional, onde a mulher veste saias rodadas e cheias de babados, dançando com castanholas nas mãos a fim de marcar o ritmo intenso. Ora, esta dança nasceu no Antigo Egito e era usada em rituais e cultos religiosos, onde as mulheres dançavam em reverência à fertilidade e à Grande Mãe.


Essa dança era chamada de Dança do Ventre, onde as mulheres egípcias celebravam a fertilidade e a vida. Essa tradição saltou para o restante do mundo árabe, depois para a Índia de um lado, e chegando até a Espanha do outro, trazida pelos Mouros. Além da dança e da música, outro dos maiores legados dos mouros foi a literatura, os Contos das Mil e Uma Noites, Sherazad, aladim e sua lâmpada mágica e muitas outros contos oriundos da tradição oral árabe, trazidos pelos mouros para a Península Ibérica, que foram cantados pelos bardos, que os interpretavam em prosa e verso. O bardo medieval era simultaneamente músico, poeta e historiador. Mais tarde, os bardos seriam chamadosde trovadores quando surgiu a literatura francesa no século XII, justamente no Ducado de Aquitânia.


O Ducado de Aquitânia também viu nascer as lendas medievais sobre Maria Madalena e a Linhagem Sagrada, foi lá que surgiram os cátaros e as primeiras fogueiras da Santa Inquisição. Além de queimar hereges, elas queimaram livros, muitos livros, muitos pergaminhos... Desde seu nascimento, a Igreja tomou para si o direito de dizer o que era certo e errado e acusar outras crenças de serem heréticas. No entanto, apesar disso, essa mesma Igreja construiu as mais famosas, misteriosas e maravilhosas catedrais góticas, que transmitiram e ainda transmitem um profundo simbolismo. A maioria das catedrais góticas da França e Inglaterra tiveram o patrocínio de Eleanor de Aquitânia, uma verdadeira mecenas. E voltamos à pergunta: Por que Eleanor e o Ducado de Aquitânia tiveram tanto protagonismo?


Junto com o comércio de bens materiais sempre circulou e circula até hoje a cultura e as religiões. Na Idade Média, o islamismo pegou carona nas caravanas repletas de mercadorias e chegou à Europa. O islã, nascido no Oriente Médio, percorreu o norte da África, atravessou o Estreito de Gibraltar e conquistou a Península Ibérica. Espanha, Portugal e o sul da França conheceram de perto a cultura moura e a religião islâmica. Em 711, quase cem anos antes de Carlos Magno, o general mouro chamado Tariq atravessou o mar, desembarcou num lugar que, depois, em sua homenagem, foi chamado de Jabal Tariq, origem do nome do Estreito de Gibraltar. Três anos depois toda a Península Ibérica estava ocupada.



Após o desembarque, os mouros tomaram o sul do território que viria a se tornar a Espanha e de lá, avançaram para região que seria Portugal e, três anos depois da invasão, a maior parte da Península Ibérica já estava ocupada. A conquista resultou na destruição do Reino dos Visigodos e no estabelecimento do Emirado chamado Al Andaluz. Os mouros transformaram a região ibérica na vanguarda cultural, científica e náutica do planeta.


O amor pela ciência e pela cultura propagada pelos mouros foi uma herança que a Biblioteca de Alexandria deixou para os muçulmanos. Mais do que um lugar para armazenar livros, como geralmente achamos que uma biblioteca é, a Biblioteca de Alexandria era um centro de formação e troca de informações, local de estudo e de muita pesquisa.


A Biblioteca de Alexandria sobreviveu a vários incêndios, um acidental e os demais promovidos por diferentes grupos religiosos, entre eles os cristãos. O belíssimo filme ÁGORA trata desse tema. Nele vocês vão conhecer Hypátia, uma cientista e matemática daquela época, torturada e morta pelos cristãos. Embora o islamismo e o catolicismo sejam hoje religiões inimigas, ambas tiveram a mesma origem abrahâmica. Por razões históricas, os muçulmanos herdaram a cultura alexandrina ao passo quea Igreja Romana herdou a insana tradição de queimar livros, infelizmente.


O Index Liborum Prohibitorum - Índice dos Livros Proibidos - era uma lista de livros proibidos lançada pela primeira vez pelo Papa Paulo IV para impedir os avanços do protestantismo. No seu lançamento, em 1559, a Igreja censurou 550 obras e a última lista foi lançada em 1948, proibindo 4 mil títulos. O INDEX foi extinto em 1966 pelo Papa Paulo VI, mas, até hoje as autoridades do clero podem emitir uma advertênciacontralivros não recomendados pela Igreja: caso do Código da Vinci e Harry Potter. Durante a Cruzada contra os cátaros a Igreja proibiu os cristãos leigos de lerem a Bíblia, decisão tomada e reafirmada nos Concílios regionais de Tolosa (1229) e Tarragona (1234).


Essa situação era bizarra. De um lado o islã incentivava seus fiéis a lerem o Alcorão, de outro o catolicismo romano proibia a leitura, até mesmo da Bíblia. Por que?


É possível que a resposta esteja na estrutura das duas religiões. O islã não tem uma hierarquia centralizada como a Igreja católica, o resultado é que cada fiel era estimulado a ler o Alcorão e aplicá-lo em sua própria vida quotidiana. Teoricamente, a população masculina deveria sabe ler e escrever para poder recitar os versos do Alcorão. As mulheres foram excluídas, é verdade, mas isso não foi exclusividade do islamismo.


Já no catolicismo, tudo era intermediado pelo clero tendo o Papa como a autoridade infalível. Se o fiel tinha alguma dúvida ele deveria perguntar ao padre mais próximo, não sendo incentivado a estudar e procurar respostas por si mesmo. O prelado interpretava e o fiel ouvia, com a mesma passividade com que ouve as leituras dominicaisfeitas nos sermões. Ponto!


Nesse contexto era mais importante obedecer do que estudar ou até mesmo ler. Aliás, muitas vezes a leitura foi proibida, para que não houvesse interpretação por conta própria daquilo que foi lido, como aconteceu com a perseguição aos gnósticos no século III, e aos cátaros quase mil anos depois, situaçãoi que, de certa forma, ainda persiste até hoje.



O Ducado de Aquitânia aproveitou o melhor das três culturas: judaísmo, islamismo e cristianismo. No Andaluz três religiões exercitaram a tolerância religiosa durante 700 anos, e três povos reuniram o melhor de suas culturas: judeus, mourose e Ibéricos, que estabeleceram um pacto de tolerância religiosa que foi quebrado em 1492, quando Granada caiu, último reduto muçulmano na Espanha.


Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela emitiram decretos ordenando judeus e muçulmanos a converterem-se ao catolicismo ou a deixarem seus reinos. Para melhor controlar os recém-convertidos, os reis católicos convocaram a Santa Inquisição, a fim de verificar se os mesmos ainda estavam mantendo costumes e ritos de sua religião anterior. Para isso usaram o método da delação – cada vizinho era um delator potencial.



No ano de 710 a Península Ibérica estava sob o domínio dos godos, então um conde cristão pediu auxílio ao governador muçulmano do norte de África para que o ajudasse a derrotar os visigodos que haviam indadido a Península Ibérica há 400 anos, depois da queda do Império Romano. O pedido caiu como uma luva, já que o Califado Omíada estava se expandindo pelo norte da África. O mouro Musa Ibn Nusayr prontamente atendeu o pedido e enviou um exército comandado pelo general Tariq, que atravessou o Estreito que separa a África da Europa e conquistou a Península Ibérica, não para o outro, mas para si próprio, sem maior resistência por parte das populações locais, cansadas das guerras constantes travadas entre os próprios visigodos.


Os territórios ocupados pelos muçulmanos na península ficaram conhecidoscomo Al Andaluz. Não existiam Portugal ou Espanha, os reinos independentes eram agora dominados pelos muçulmanos. Os mouros respeitaram as religiões existentes na Península Ibérica, por isso a conversão ao islã foi mínima, ocorrendo sobretudo nas zonas urbanas e no sul do que hoje é a Espanha; quanto mais ao norte, mais cristã era a população.


A convivência pacífica entre mouros, judeus e cristãos foi forte o bastante para jogarem xadrez juntos. Os mouros permaneceram na Península Ibérica por 700 anos, deixando as marcas de sua cultura, que nunca mais voltou a ser tolerante, ao contrário. A reconquista cristã impôs a dominação hegemônica dos católicos. Depois disso, Muçulmanos, Judeus e Cristãos não mais jogaram xadrez juntos. Grande parte dapopulação voltou a ser analfabeta, pois a Igreja romana não incentivava a leitura.


Desde a invasão moura, um pequeno reduto de cristãos ficou acantonado em um pequeno território ao norte. Esse grupo estava sob o comando de Pelágio, um nobre cristão descendente dos visigodos, que resistiu aos mouros. Esse grupo deu origem ao Reino das Astúrias, hoje anexado à Espanha. Pelágio e seus companheiros desciam das montanhas para atacar os muçulmanos. Um desses ataques marcou o início da retomada dos territórios ocupados pelos mouros, um longo processo chamado Reconquista. {Deixo um link de um vídeo bem interessante na descrição}


A partir do pequeno território do Reino das Astúrias, os cristãos foram gradativamente formando novos reinos, que se estenderam para o Sul. Surgiu daí o Reino de Leão, que mais tarde se transformaria em Portugal; assim como os reinos de Castela e de Aragão deram origem à Espanha. A Reconquista só terminou em 1492, quando os mouros foram derrotdos pelos reis católicos, Fernando e Isabel. Os mouros deixaram um enorme legado para a Península Ibérica e para o Ocidente.



Na arquitetura os mouros deixaram a famosa Mesquita de Córdoba, o minarete Giralda, que virou campanário da Catedral de Sevilha e a fortaleza de Alhambra em Granada, para citar apenas alguns. Boa parte do nosso vocabulário é de origem árabe. Tanto o português quanto o espanhol herdaram inúmeras palavras árabes, sobretudo as iniciadas em “al”: almofada, alface, alferes e por aí vai. O islã foi responsável pela divulgação científica das obras dos filósofos gregos, além de cientistas e poetas da China e da Índia, do Egito e da Mesopotâmia. Devido aos muçulmanos, a circulação do conhecimento generalizou-se e vários ramos do saber foram desenvolvidos no Ocidente:

Na matemática: a utilização da numeração indiana (vulgarmente conhecida como numeração árabe) que utilizava o conceito de zero, revolucionou a álgebra e as operações aritméticas.

Na astronomia: desenvolveram estudos sobre o movimento e a distância entre astros. Nomes de estrelas – Aldebaran e Altair, até termos astronômicos como azimute e nadir foram atribuídos pelos estudiosos muçulmanos e ainda são utilizados na atualidade.

Na química: descobriram a produção de álcool por destilação e como produzir ácido sulfúrico.

Na medicina: Avicena, médico, filósofo, astrônomo e político, nascido em Córdoba, descreveu várias doenças, estabeleceu a existência de uma relação entre doenças psíquicas e físicas e compreendeu que as infeções ocorriam, também, através da água e dos solos contaminados.

Na agricultura – introduziram técnicas de irrigação através dos canais de rega, e o açude, além de novas culturas, como cana-de-açúcar, laranja, alfarroba, amendoim e arroz.



Os mouros deixaram seu nome para sempre em Portugal. Mouraria é um bairro de Lisboa e também seu fado mais famoso, cantado por Amália Rodrigues. Os lenços e chales usados pelas portuguesas são a versão ibérica dos véus muçulmanos.


Os muçulmanos criaram MADRASSAS, palavra árabe usada para designarqualquer tipo de escola, secular ou religiosa (de qualquer religião), pública ou privada. Os mouros incentivavam a educação pública escolar para queas pessoas aprendessem a ler e escrever, a fim de recitar os versos do Alcorão e assim ganhar mais adeptos. Já os católicos romanos proibiam a leitura, inclusive da bíblia. Para aprender a ler e escrever era preciso entrar para o convento ou monastério. No mundo cristão, o conhecimento era para poucos, e perigoso. Como mostra o filme clássico EM NOME DA ROSA. Há registros de que Henrique II da Inglaterra, esposo de Eleanor, teria considerado a hipótese de se converter ao islamismo.


Descendentes diretos da cultura alexandrina, os mouros foram Mestres Navegadores que aperfeiçoaram o astrolábio, instrumento para a observação de estrelas que permite a orientação em alto-mar. A ciência náutica dos mouros formou os grandes navegadores espanhóis, assim como portugueses, estes da lendária Escola de Sagres, que realizariam os futurosDescobrimentos marítimos.


Alhambra foi a última cidade moura a cair, em 1492, mas, seu palácio fortaleza permaneceu intacto, herança da sofisticada arquitetura moura na Espanha. Em 31 de Março de 1492, os reis católicos Fernando e Isabel emitiram o Decreto de Alhambra sobre a expulsão dos judeus dos seus reinos. Bem ao contrário do desenvolvimento e esplendor da cultura muçulmana, herdados da cultura proveniente da Biblioteca de Alexandria, o catolicismo nasceu sob a égide da utilização política da religião pelo Império Romano que, além de não salvá-lo, deixou como herança maldita sua estrutura corrupta.


Auto de Fé na praça de Madri. Francisco Rizi 1683


Os reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela criaram a temida Inquisição Espanhola que, com seus AUTOS DE FÉ impuseram a ortodoxia católica nos seus reinos. Em 1478 os monarcas espanhóis solicitaram que a Santa Inquisição fosse estabelecida em Castela e Aragão, prontamente concedida pelo Papa Sisto IV, permitindo que os monarcas nomeassem os inquisidores. Apenas três anos mais tarde, em 1481, o próprio Papa protestou contra a brutalidade da Inquisição espanhola. Porém se aquietou quando Fernando e Isabel ameaçaram retirar o apoio militar que davam à Santa Sé, conseguindo “de quebra” o que desejavam: ter autonomia sobre a Inquisição espanhola.


O dominicano Tomás de Torquemada assumiu como Inquisidor Geral, para investigar e punir judeus e mouros convertidos ao catolicismo, mas que, por delação de alguém, poderiam estar praticando secretamente suas antigas religiões. Os delatores chamavam os judeus convertidos de "marranos", uma expressão pejorativa, que se crê significar “porcos”.


Além de perseguir mouros e judeus, a Inquisição espanhola também foi usada contra os primeiros focos do protestantismo, contra o Iluminismo nascente e, contra o Enciclopedismo, que foi um movimento de caráter cultural e filosófico, ocorrido na França, na segunda metade do século XVIII, dentro do contexto do Iluminismo. A derradeira vítima da Inquisição Espanhola foi um professor, Cayetano Ripoll, no ano de 1824, quando uma denúncia anônima o levou a prisão para responder pelas seguintes acusações: 1) de não ir à missa e nem levar seus alunos; 2) de não sair à porta de casa para saudar as procissões; e 3) de comer carne na sexta-feira santa. Tendo se negado a assumir seus "crimes" em público e se arrepender deles, o professor foi enforcado dois anos depois. Para quem quiser saber mais, deixo o link desse caso na descrição.



Além de poeta e trovador, Guilherme de Aquitânia também era chefe de Cavalaria, portanto um guerreiro. Embora fosse crítico ao catolicismo, e provavelmente simpatizante da literatura moura, o Duque de Aquitânia lutou contra o avanço dos mouros pelos Pirineus, uma cadeia montanhosa que separa a Espanha da França, não permitindo que aos mouros tomassem o norte do Mediterrâneo, fechando o cerco das conquistas pelo lado de cima da Europa, como já haviam feito pelo lado de baixo do mar.


Construído o cenário, fica fácil entender o papel relevante que o Ducado de Aquitânia teve na cena política medieval. Ele bsorveu tudo que havia de melhor na cultura moura, principalmente os elementos da literatura que deram origem ao Amor Cortês e ao trovadorismo, porém não a ponto de permitir o avanço o avanço mouro nas guerras de conquista.


Sinete de Eleanor e Marie de Champagne


O cenário não estaria completo se deixássemos de fazer a análise do selo real de Eleanor de Aquitânia, e do selo usado por sua filha Marie de Champagne, relacionand0-os com as catedrais góticas. O formato do selo utiliza a VESICA PISCIS. Qual é o significado desse símbolo? Esse será o tema do nosso próximo encontro:



Bibliografia

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