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DECIFRANDO OS SÍMBOLOS DA UNÇÃO

Atualizado: 4 de ago. de 2022





Segundo Lucas (7,36-50), Jesus estava na casa do fariseu Simão quando uma mulher lava seus pés, os enxuga com seus cabelos e depois os unge com perfume. Lucas coloca esse evento na Galileia, longe do tempo da paixão em Jerusalém. João não diz na casa de quem estavam comendo, somente que Lázaro estava à mesa com Jesus e que Marta servia. Também revela que a mulher que unge a Jesus é Maria, irmã de Marta e Lázaro. (João 12)



Maria unge a cabeça de Jesus em Betânia (Marcos 14:1-11)

Mateus 26, 6-13 e Marcos 14,3-9 falam que Jesus estava à mesa, na casa de Simão, o leproso. Situam o evento em Betânia, que fica a poucos quilômetros de Jerusalém. Aproxima-se de Jesus uma mulher, com um frasco perfume caro, e derrama sobre sua cabeça. Todos dizem que é um desperdício, mas Jesus elogia o gesto da mulher, definindo-o como profético.

Disse Jesus: Ela antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura. Em verdade vos digo que, em todas as partes do mundo onde este evangelho for pregado, também o que ela fez será contado para sua memória. (Mc 14:9)


O termo Messias vem do hebraico Hammasiah, que vem do egípcio Mûs-hûs, que deu origem à palavra messeh que significava ‘crocodilo’. É provável que a raiz dessas palavras venha do sumério. Mas, o que o crocodilo tem a ver com a unção?


O costume de ungir aqueles que, através desse ato se tornariam reis, vem da Suméria, que passou para a Mesopotâmia e depois para o Egito, diz Ahmed Osman. A unção era feita com a gordura do crocodilo e não com óleo. Este animal é conhecido pelos seus instintos, sendo o instinto sexual o mais primário. Por mais contraditório que pareça, o instinto sexual é também o mais sagrado, pois é através dele que o “lado animal” participa em conjunto com a divindade do ato sagrado da procriação. Assim, desde sua origem, a simbologia da unção está relacionada à realeza, ao casamento e à procriação.


Inanna - wikipédia.org


A tradição de ungir o amado no casamento real vem do mito sumério da deusa Inanna, Permaneceu na Mesopotâmia, se propagou para o Egito e DEPOIS para a Palestina. Inanna é cortejada por um agricultor e por um pastor chamado Dumuzi. Ela fica indecisa, mas no final escolhe o pastor para consorte.


Segundo Samuel Kramer, esses mitos antigos revelam a tensão existente no período neolítico entre agricultores e pastores. No meio dessa briga estava a mulher. Com quem ela ficaria? Kramer diz que a narrativa bíblica de Caim e Abel tem a mesma estrutura do mito sumério, pois dois homens querem agradar a Deus ao fazerem suas oferendas. A diferença é que no mito sumério a divindade é feminina – representando a Deusa. Já no mito judaico-cristão a deusa virou deus. A coincidência é que as duas divindades escolhem o pastor em detrimento do agricultor.


Inanna - wikipédia.org


No mito, Inanna escolhe o pastor Damuzzi, também chamado Tamuz, para se casar, porém ele era mortal, o que a impedia de se casar porque ela era uma deusa. Ela então criou uma cerimônia em que ungiu seu amado, da cabeça aos pés, transformando-o em rei. Assim Inanna pode se unir ao seu amado pastor.


Sendo sociedades agrárias, o ritual de fertilidade é uma analogia às estações do ano e se destina a marcar o tempo da semeadura e da colheita. Dessa união sagrada resulta que as plantações prosperam, que o rebanho aumenta e que as mulheres se tornem férteis.



Na Suméria, a união sexual nunca foi demonizada, ao contrário. Aqui está um trechinho do mito de Inanna. Ela diz:


eu me banhei e lavei-me com espuma

banhando-me em pé sobre a tina

minhas vestes, como as dos justos, foram passadas

meu vestido soberbo foi ajustado

meu esposo celebra comigo

Tamuz, o touro selvagem, celebra comigo (pedaço perdido – depois ela continua)

como um chifre, um grande coche…

esta minha Nau Celeste ancorada

que traja a beleza como a jovem lua crescente

este ermo na estepe…

estes prados de cairinas onde pousam minhas cairinas

estes prados altos e bem molhados

meu sexo, um morro aberto e bem molhado

quem será seu lavrador?

meu sexo, um morro aberto e bem molhado

quem levará o touro a ele?

Tamuz responde: senhora, o rei virá lavrá-los para ti

Eu, Tamuz, o rei, virei lavrá-los para ti


Este ritual também foi praticado na Judeia, descrito no Cântico dos Cânticos, porém, não mais com a gordura do crocodilo, mas com o raríssimo óleo de nardo, extraído de uma planta do Himalaia. A Noiva-Irmã ungia a cabeça e os pés do Noivo à mesa do banquete nupcial.


Rei Salomão - Wikimedia Commons


No Cântico dos Cânticos, o jardim da Noiva e do Noivo é descrito como uma videira.

Porque brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará. (Isaías 11.1)

A videira faz referência à linhagem da Casa de Davi.

Pois a videira do Senhor é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta de suas delícias. (Isaías 5:7)


Fra Angélico (1395-1455) - Wikimedia Commons

O tema "quem cuida do jardim da noiva?" remete à imagem do jardineiro. É ele quem cuida da videira e dos seu renovo. A enxada é o símbolo do Jardineiro, tema que será retomado por inúmeros artistas ao representarem o Noli me Tangere. Alguns de forma bem disfarçada, como Fra Angélico, um pouco mais ousada, como Ticiano, ou mais incisiva, como Calisto Piazza e Giuseppe Cesari.


Ticiano (1488-1576) - Wikipédia.org


Calisto Piazza (1500-1561) Wikimédia Commons


Giuseppe Cesari (1568-1640) - Wikipedia.org


Desde as primeiras civilizações, o ritual da unção real era prerrogativa da Noiva-Irmã. O noivo só poderia ser considerado Rei depois de ser ungido pela noiva no dia do casamento.


Cântico dos cânticos - Wikimedia Commons


No Cântico dos Cânticos, sem perder o erotismo, a linguagem salomônica se torna mais leve do que no mito de Inanna. Entretanto, traz o mesmo relato do ritual de unção, dentro do ritual do casamento sagrado praticado nos tempos da Deusa-Mãe, o hiero-gamos.


Beije-me ele com os beijos da sua boca;

porque melhor é o teu amor do que o vinho.

Suave é o aroma dos teus ungüentos; (...)

O rei me introduziu nas suas câmaras;

em ti nos regozijaremos e nos alegraremos;

Enquanto o rei está assentado à sua mesa,

o meu nardo exala o seu perfume. (...)


O meu amado fala e me diz:

Levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem.

Porque eis que passou o inverno;

a chuva cessou, e se foi;

Aparecem as flores na terra,

o tempo de cantar chega,

e a voz da rola ouve-se em nossa terra.

A figueira já deu os seus figos verdes,

e as videiras em flor exalam o seu aroma;

levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem.


Os rituais da unção do noivo pela noiva culminam com a união sexual realizada no casamento sagrado formando um todo indissociável naquelas culturas. Na Suméria, no Egito, ou nas primeiras dinastias judaicas, estes rituais dizem respeito a um ciclo que começa com um encontro sexual, que resulta no nascimento de uma criança, termina com a morte do pai e depois sua regeneração ou ressureição. Pelas mãos de Ísis, Osíris "ressuscita" e ela concebe seu filho Hórus. Vida e morte formam um continuum.




Na simbologia cristã esse continuum é representado pela videira, que produz as uvas, que se transforma em vinho.


A uva é pisada, macerada, fermentada e, depois de um tempo de isolamento no escuro dos tonéis, transforma-se em vinho, que lembra a uva, mas que já não é mais uva. No processo de transformação em vinho houve uma transmutação. Mas essa transmutação conserva aquilo que a uva foi, embora modificada. Esse processo simboliza “Continuidade”, “Herança”, “Linhagem”. Por isso, o cacho de uvas, assim como as sementes da romã sempre significaram símbolos da fertilidade.


Tintoretto (1518-1594) - Wikipedia.org


Tintoreto representa Jesus como árvore, que produzirá o "renovo", Maria Madalena é colocada aos seus pés, lendo um livro, cuja lateral em forma de linha reta, como se fosse uma flexa, indica a conexão entre ela e a "árvore". Ambas (ela e a "árvore") produzirão o renovo.


Detalhe


Correggio (1489-1534) - Wikimedia Commons


Em Correggio, o braço esquerdo de Jesus está indicando que Ele é o ramo da Árvore:

Porque brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará. (Isaías 11.1)

Ele é o legítimo descendente de Jessé, pai de Davi. Sua mão direita aponta para Maria Madalena, vestida de dourado, símbolo de sua nobreza. Jesus tem uma enxada a frente indicando que “Ele cuida do Jardim na Noiva”. No conjunto, todos esses símbolos indicam a continuidade da linhagem real.


Lucas van Leyden (1494-1533) - Wikimedia Commons

Em seu quadro, Lucas van Leyden estabelece uma reciprocidade entre Maria Madalena e Jesus muito significativa. Ele porta em suas mãos um cacho de uvas, símbolo de fertilidade, ela segura o vaso de alabastro, símbolo da unção real pela Noiva-Irmã-Messiânica.


Lucas Cranash (1472-1553) - Wikimedia Commons



Lucas Cranash (1472-1553) - Wikimedia Commons


Em Lucas Cranach o cacho de uvas aparece posicionado sobre a genitália de Jesus. No segundo quadro, Jesus coloca o anel na mão da noiva, Santa Catarina, em seu casamento místico. Santa Catarina é venerada pelos Cátaros e, segundo alguns autores, seu nome pode ser a origem da denominação dos chamados "hereges", exterminados em uma cruzada sangrenta.

Geralmente a videira aparece como mais um dos símbolos que identificam Maria Madalena, sempre associado a Jesus. No conjunto, todos esses símbolos identificadores de Maria Madalena estão relacionados com a unção real.


Conegliano da Cima (1459-1517) - Wikipedia.org


Os pintores renascentistas estavam cientes das "lendas" que identificavam Jesus como sendo o legítimo sucessor da linhagem dinástica do Rei David, da Casa Real de Judá.


Ter sido ungido significava, em linguagem simbólica, que Jesus estava sendo reconhecido em sua realeza. Ele era o legítimo descendente do Trono de Davi, ocupado indevidamente por Herodes. E este reconhecimento ameaçava os romanos, usurpadores do Trono de Israel, embora Jesus afirmasse que seu reino não era deste mundo!


Wikivisually.com


Bem menos conhecido, o "X" é outro símbolo de Maria Madalena.

Margareth Starbird faz uma belíssima análise dele, um anagrama da palavra LUX, termo grego para LUZ. Sobrepostas, as letras gregas ALFA – ÔMEGA formam um tradicional símbolo cristão, onde as letras gregas lâmbda e ipsilon - Λ Υ – formam a letra X que, por significar luz e clareza, passou a designar “Verdade”.


Botticelli (1445-1510) - Wikimédia Commons


Botticelli apresenta Jesus e sua mãe segurando uma romã madura, aberta, mostrando suas sementes, símbolo da continuidade da Casa de Davi. Maria Madalena não aparece, mas seus símbolos estão presentes. Dois anjos seguram livros, um símbolo que é dela. Outro anjo tem um X estampado no peito e seus braços estão cruzados, tal como os do Cristo em uma iluminura medieval, onde o discípulo "João" aparece segurando um livro.



O símbolo X aparece muitas vezes como “pequeno detalhe sem importância”, como no quadro de Signorelli, no vestido de Maria Madalena. Será mesmo que o detalhe é “sem importância”? Ou haviam outras razões para ele aparecer “miúdo” e “disfarçado”.


Luca Signorelli (1450-1523) - Wikiart.org


Mais uma vez, para compreender a linguagem simbólica, é necessário contextualizar o quadro ao momento político. O que estava acontecendo na política quando esse quadro foi pintado? Entre 1450-1523 – nascimento e morte de Signorelli, a Santa Inquisição estava em plena atividade.



O Tribunal do Santo Ofício, também chamado de Santa Inquisição, foi criado em 1184 para combater os Cátaros, tidos como HEREGES. Eles combatiam a Igreja de Roma por causa da corrupção moral, espiritual e política. Os cátaros rejeitavam a maior parte do Antigo Testamento, assim como seu Deus beligerante.


Os Cátaros não construíam igrejas para realizar seus cultos e consideravam as mulheres como iguais aos homens em sua fé. Elas participavam plenamente de sua organização em todos os níveis. E isso era inadmissível para uma Igreja que lutava pelos poderes terrenos (herança e bens materiais) e pela supremacia masculina.

Para combater tais heresias a Igreja começou com uma “cruzada de convencimento” que começou em 1147, terminando com uma "cruzada de extermínio" em 1209.


Extermínio cátaro - Wikipedia


Em vinte anos o movimento foi arrasado e seus seguidores assassinados. A partir de 1250 o Tribunal foi se tornando cada vez mais letal e, no início do Renascimento, alcance da Inquisição foi ampliado ainda mais. Portanto, mexer com a Inquisição não era brincadeira. A arte era a forma de passar ideias, informações, já que não havia imprensa e os livros eram para poucos. Era também uma forma de resistência. Aqueles que possuíssem ideias diferentes da Igreja eram perseguidos. Galileu que o diga!


Jan van Scorel (1495-1562) - wikiart.org


Quando Scorel pintou Maria Madalena, ele disfarçou o “X” como bordados nas mangas do vestido. Ele também quis mostrar nas roupas dela o status real de Madalena.


Jacob Cornelio (1475-1533)

Jacobo Cornélio deve ter produzido muita raiva na Igreja de Roma. É um Noli me tangere às avessas. Maria Madalena está vestida em majestade, indicando sua realeza. Jesus a toca na testa, contrariando as Escrituras. Contudo, o artista precisava dos cânones para se proteger da Santa Inquisição, então ele, provavelmente se apoiou em Ezequiel 9:4

Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal as testas daqueles que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem.


Botticelli (1445-1510) - wikipedia.org


Em Botticelli, o X aparece em pequenas bandeirolas que anunciam a verdade. O anjo segura a raposa, símbolo da calúnia perpetuada por Roma sobre Madalena. Para os gnósticos, os sacerdotes de Roma eram as “raposas” do Cântico dos Cânticos 2:15

"Pequenas raposas estragam as videiras no vinhedo da Noiva."


Carlo Crivelli (1445-1495) - Wikipedia.org


Quanto a Crivelli, ele também denunciou Roma usando a mosca, símbolo da sujeira e da corrupção. Por trás da Madona veem-se maçãs, outro símbolo relacionado com a sexualidade, e entre elas um grande pepino a ser descascado. O pepino se refere ao lamento do profeta Isaías pelo fato de a Filha de Sion ter sido abandonada.


“como a cabana no vinhedo, como a choupana no pepinal, como a cidade sitiada” (Isaías 1:8)


O muro em que Jesus está sentado, simboliza a Igreja de Roma, que ele não toca por estar protegido pela almofada sobre a toalha. No muro está pousada uma mosca e sua sombra. Do outro lado, há uma rachadura em formato de “Y”, símbolo do feminino vilipendiado.


Simoni Martinni (1284-1344) - wikipedia


No quadro de Simoni Martini (1284-1344), o "X" aparece de forma bem estranha. Nesse quadro o X da verdade se forma sobre o ventre de Madalena, sugerindo que ela também está "crucificada", como Jesus, mas que um dia a verdade (o X da verdade) será revelada. E Martini não é o único a colocar a cruz inversa.


Francesco Bonsignori (1455-1519)


A letra X, por significar luz e clareza, era o símbolo de “Verdade”,. Porém, a verdade passou a ser tão distorcida que seu próprio símbolo foi transformado e passou a significar “coisa errada”, tradicionalmente usado pelos professores na hora de corrigir provas.


O significado do símbolo X é que as promessas de um reino de luz só poderão ser cumpridas quando o feminino e o masculino forem unidos em harmonia para produzirem LUZ.


Simoni Martini (1284-1344)


Nesse quadro de Simone Martini, pintado em torno de 1300, Maria Madalena porta um grande "X" sobre seu peito e uma luz em sua mão, ambos significando "verdade". Observe que a cor do vestido dela é a mesma da Mãe do Cristo, aquele que será ungido por sua Noiva-irmã.


Hoje, estamos descobrindo que há uma guerra de narrativas, de um lado a narrativa oficial, da Igreja, se contrapondo a uma outra, trazida pelos pintores medievais e renascentistas.


Vimos que a unção vem de civilizações anteriores ao judaísmo, que era uma tarefa assumida pela Noiva-Irmã-Messiânica, realizada no dia do casamento com seu consorte, que se tornaria Rei através desse ato.


Desde sua origem, a simbologia da unção está relacionada à realeza, ao casamento e à procriação. Vimos que todas estas ideias circulavam na Idade Média e Renascimento, portanto, não é uma invenção contemporânea.



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