12 - MOISÉS E AKHENATON PROMOVERAM DOIS MONOTEÍSMOS DIFERENTES
23 de out. de 202110 min de leitura
Atualizado: 29 de jan. de 2022
Não resta dúvida que Moisés e Akhenaton foram dois gigantes do monoteísmo. Se eles foram uma só pessoa, ainda falta muito para comprovar. No entanto, enquanto as comprovações não chegam, podemos analisar o tipo de monoteísmo que cada um deles professou. Para tanto, precisamos de uma ajuda teórica.
Charles West Churchman (Introdução à Teoria dos Sistemas) chama a atenção para o fato de que, o modo de pensar em nosso século é movido por uma psicologia diferente da que outrora animou a humanidade. Manuel Castel (autor de Sociedade em rede), Fritjof Capra (O Ponto de Mutação) e Edgard Morin (filósofo de extensa obra) entre outros autores, propõem que essa nova visão da realidade, a Concepção Sistêmica, vê o mundo em termos de relações e integração. As fronteiras foram e ainda são uma ilusão, sobretudo quando se trata de cultura de massa, crenças, usos e costumes.
Essa nova visão de realidade, amparada teoricamente pela concepção sistêmica e tornada viável pela inovação tecnológica, permitiu que os cientistas sociais percebessem similitudes entre eventos distintos, ocorridos em diferentes civilizações e assim traçar conexões que antes seriam inimagináveis, mas que hoje fazem todo nexo.
Dentro desta lógica será abordada a conexão entre as Escrituras judaico-cristãs e os textos cuneiformes, demóticos e hieroglíficos das antigas civilizações, todos relacionados ao período histórico em torno de 1.500 aC, 500 anos após a época em que ocorreram as grandes migrações indo-arianas. Foi nesse período que se deu o surgimento do sistema patriarcal e do monoteísmo que o sustenta.
Não resta dúvida que o monoteísmo patriarcal {é quase uma redundância} nasceu na região dessa curva explosiva do Mar Mediterrâneo, entre o Egito e Israel. Sabemos que o delta do Nilo foi palco da chegada dos hicsos, que trouxeram com eles a crença em um deus sem forma, mas provedor de todas as formas existentes. Esta divindade era conhecida pela vibração, pelo movimento que tudo cria. Sem nome, sua invocação era feita através do som Om. O Templo de Om, no Egito, propagou a concepção do Deus Único trazida pelas migrações indo-iranianas.
Por volta de 1700 aC o Egito estava fragmentado em diversos reinos locais. Um deles se localizou em Avaris, perto do Cairo, cuja população de migrantes vinha se estabelecendo na região desde muito antes.
Por volta de 2000 aC houve uma expansão generalizada das migrações indo-iranianas, razão pela qual a chegada dos hicsos ao Egito é interpretada por muitos autores como fazendo parte delas, as mesmas migrações que trouxeram os hurritas para a Síria e os cassitas para a Babilônia. Provavelmente os hicsos eram amorreus {Amori, em hebraico significa ‘orgulhoso’, foi um dos filhos de Canaã, filho de Cam que era filho de Noé, segundo o Antigo Testamento}. É provável que os hicsos fossem originários da Palestina que imigraram para o Egito por volta de 1630 aC e um século depois conseguiram conquistar um território no delta do Nilo, fazendo de Avaris a capital do reino, inclusive cobrando tributos dos faraós tebanos sob o reinado de Khyan, por volta de 1582 aC.
https://en.wikipedia.org/wiki/Khyan
Este vai-e-volta populacional entre a Índia, Ásia Menor {hoje Turquia e Irã) e o Egito foi uma verdadeira correia de transmissão entre diferentes culturas, levando e trazendo novas concepções, novas crenças, novos costumes e novos deuses, que certamente entravam em conflito com os que dominavam cada território. O Egito dos inúmeros deuses e deusas das primeiras dinastias foi confrontado pelos sacerdotes de Tebas e seu deus da guerra, Amon. O confronto bélico se deu em Avaris, sede do governo dos "Reis Pastores", dos hicsos, que veneravam Om, a divindade sem forma, identificada simbolicamente pelo disco solar.
Como se sabe, a Lua representava a Grande Mãe e o Princípio Feminino nas antigas civilizações e foi substituída pelo Sol, o Princípio Masculino, o Deus Pai. Contudo, esse novo símbolo religioso não foi venerado de forma homogênea. Alguns viam o deus Sol como símbolo do Sol físico e entendiam que ele iluminava a todos, indistintamente. Outros entendiam que apenas os homens eram os "iluminados", sendo que a mulher era um ser inferior e que deveria renascer como homem em outra vida para atingir a iluminação. Pois é ...
Embora Akhenaton venerasse Aton, uma divindade solar, seu relacionamento com Nefertite e filhas demonstra que não havia uma relação de superioridade do homem em relação à mulher. As inúmeras representações do casal com as filhas o demonstram.
A família real é representada em cenas de intimidade, com Nefertiti amamentando uma filha tendo outra ao colo, ou com o casal a brincar com estas, ou mesmo Akhenaton beijando uma filha enquanto TODOS recebem os raios de Aton, que terminam em mãos com o símbolo do ankh. Tais representações jamais estiveram presentes nos milênios que separam a arte egípcia desde as primeiras dinastias. Foi somente após a revolução religiosa de Akhenaton e Nefertite que estas representações apareceram e, provavelmente, chocaram os tradicionalistas. As representações de Akhanaton e Nefertite comprovam parceria e cumplicidade entre eles.
Personal picture of Gérard Ducher., CC BY-SA 2.5, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=505828
Nefertite não estava excluída do culto a Aton, ao contrário, participava intensamente das cerimônias, como fica comprovado pelas inúmeras imagens dela e do casal. Nos primeiros anos do reinado de Amenhotep tiveram início as mudanças religiosas que culminariam na doutrina chamada de "atonismo" . Amenófis ordenou a construção de quatro templos dedicados a Aton junto ao templo de Amon em Karnac. Num desses templos, de nome Hutbenben (Casa da pedra Benben), Nefertiti aparece representada como a única oficiante do culto, acompanhada de uma filha, Mekhetaton. Esta cena pode ser datada do quarto ano do reinado, o que é revelador da importância religiosa desempenhada pela rainha desde o início do reinado de Akhenaton. {Imagem abaixo}
No ano quinto do seu reinado, Amenhotep IV mudou o seu nome para Akhenaton, que significa "espírito atuante de Aton", tendo igualmente Nefertiti mudado seu nome para Nefernefernuaton, "perfeita é a perfeição de Aton". Eles ainda estavam no centro do poder, Tebas, de onde as duas instituições mais poderosas, clero e exército, queriam ter a realeza sob seu estrito controle.
Quando a vida em Tebas se tornou insuportável devido a esse confronto, Akhenaton decidiu transferir a capital do Egito para uma localidade situada entre o delta do Nilo e Tebas. Esta nova cidade recebeu o nome de Akhetaton.
Na arte praticada em Tell El Amarna, ou simplesmente Amarna, Akhenaton e Nefertiti são representados fora dos padrões rígidos da cultura milenar egípcia, provavelmente porque o faraó e a rainha visavam criar novos padrões estéticos, mais coerentes com a nova religião. Akhenaton era retratado com estatura superior à Nefertiti, como era a forma tradicional de mostrar quem possuía maior poder, porém, ele era retratado com os mesmos traços femininos que distinguem o corpo de uma mulher. Basta observar a cintura mais fina, as nádegas proeminentes e as coxas grossas de ambos É como se Akhenaton quisesse mostrar que era ele quem assumia as características femininas, dada a importância da mulher. Esse tipo de representação corporal masculina pode ser entendida como sinal da importância que Nefertiti tinha. Alguns autores dizem que ela de fato assumiu o Egito como co-regente.
Há autores que trabalham com a hipótese do motivo do desaparecimento de Nefertiti dos registros e troca de correspondência numa determinada época se deve ao fato de que ela mudou novamente de nome, agora para Anchetcheperuré Nefernefernuaton.
Esta mudança estaria relacionada com a ascensão de Nefertiti ao estatuto de co-regente. Ainda segundo a mesma hipótese quando Akhenaton desapareceu, Nefertiti mudou novamente de nome para Anchetcheperuré Semencaré e governou como faraó durante cerca de dois anos. São hipóteses ainda sem comprovação.
O egiptólogo Christian Jacq, em seu livro As egípcias: retratos de mulheres do Egito faraônico, afirma que as egípcias conheceram um mundo em que a mulher não era rival do homem; onde lhes era permitido exercerem papéis de esposas, mães, trabalhadoras e iniciadas nos mistérios do templo sem a perda da identidade feminina. Um mundo em que o domínio do sagrado lhes era acessível integralmente. Essa constatação é essencial!
Sim, no Egito antigo houve mulheres que exerceram as mais altas funções de Estado, o que não acontece na maior parte das democracias modernas. Como demonstra o autor, o papel político e social das mulheres foi determinante ao longo de toda a história do Egito. Graças a um notável sistema jurídico, a mulher e o homem eram iguais por direito e de fato, a esse estatuto legal – que só foi posto em causa no reinado dos Ptolomeus, soberanos gregos – acrescentava-se uma verdadeira autonomia, posto que a egípcia não estava submetida a nenhuma tutela, diz Christian Jacq.
Essa igualdade entre o homem e a mulher não se impôs apenas como um valor fundamental da sociedade faraônica, mas perdurou enquanto o país se manteve independente. É inegável que as egípcias se beneficiariam de condições de vida muito superiores às que milhões de mulheres conhecem hoje; em certos campos, como a da espiritualidade, as cidadãs dos países ditos desenvolvidos não obtiveram os mesmos privilégios institucionais que as egípcias. De fato, atualmente é impossível imaginar uma papisa, uma grande rabina ou uma reitora de uma mesquita, ao passo que muitas egípcias ocuparam o topo de certas hierarquias sacerdotais.
Nas palavras do autor, o que impressiona o observador que começa a interessar-se pela arte egípcia é o imenso respeito pela mulher. Bela, serena, luminosa, ela contribuiu de maneira mais ativa para a construção diária de uma civilização que cultivou a beleza, nomeadamente a feminina. Rainhas, sacerdotisas, trabalhadoras, servas, esposas, mães; nenhuma delas poderia chamar-se “Senhora Fulano de Tal”, o que suporia o aniquilamento do seu nome próprio, e um total ofuscamento em função do marido. A mulher egípcia afirmou o seu nome e a sua personalidade, sem, no entanto, entrar em competição com o homem, porque pôde exprimir plenamente a sua capacidade de ser consciente e responsável.
JACQ, Christian. As egípcias: retratos de mulheres do Egito faraônico.
Se esta era a situação da mulher no tempo da Revolução Religiosa de Akhenaton, que tentou impor o monoteísmo no Egito durante a 18ª Dinastia, logo deixaria de ser.
Embora haja uma enorme controvérsia sobre esta estátua, ela é extremamente significativa, pois demonstra como a mulher passou a ser representada entre a 19ª e a 21ª Dinastia. A rainha, a Grande Esposa Real, mal ultrapassava os joelhos do faraó. Para a maioria dos sites de imagens, esta estátua representa o faraó Ramsés II, o Grande, e sua Grande Esposa Real, a rainha Nefertari.
Ramsés II era filho do faraó Seth I, que era filho de Ramsés I, que por sua vez foi um general/vizir e amigo de Horenhebe, o general que se tornou faraó depois da morte de Tutankamon. Incapaz de ter um filho, Horenhebe adotou Ramsés I como herdeiro.
Ramsés II, neto de Ramsés I, foi o terceiro faraó da 19ª dinastia egípcia, reinou aproximadamente entre 1279 - 1213 aC. Tanto Ramsés I como seu filho Seth I foram generais. Como se vê, Ramsés II foi um comandante militar, filho e neto de generais que ocuparam o trono do Egito.
É preciso lembrar que Amon foi elevado a Deus da Guerra, na aliança entre os sacerdotes e o exército para dar combate aos hicsos. A partir da vitória alcançada em 1550 aC e o reinado de Ramsés II já havia passado aproximadamente 300 anos, tempo em que foram firmados os símbolos do poder masculino. Não contando os 17 anos do reinado de Akhenaton, em que a mulher foi tratada com igualdade de direitos, a concepção dominante era de que o homem era superior à mulher. Esta estátua deixa isso muito claro. Contudo, ela pode não retratar o general-faraó Ramsés II, e sim o sumo-sacerdote Pinudjem I.
O motor de busca Wikimedia Commons é o único a dizer que esta estátua pertence a Pinudjem I, Sumo Sacerdote de Amon em Tebas. Ele se casou com Duathathor-Henuttawy, provavelmente filha de Ramsés XI, último faraó da 20ª Dinastia. Pinedjem se autoproclamou faraó sobre o Alto Egito {parece que essa moda é antiga}, tornando-se o governante de fato a partir de 1054 aC. Seu papel sacerdotal foi herdado por seus dois filhos Masaharta e Menkheperre . Sua filha, Maatkare , ocupou o cargo de Divina Adoradora de Amon. {Observe que "adoradora" não é sacerdotisa e menos ainda Suma Sacerdotisa}
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pinedjem_I
Embora restem dúvidas sobre quem está representado na estátua, ela revela um fato muito interessante: Ramsés foi militar e Pinudjem sacerdote, ambos provenientes de instituições misóginas, promotoras da supremacia masculina e aliadas de longa data no combate às formas instituídas de governo a fim de assumirem elas mesmas o poder.
Segundo Erich Neumann, autor de História da origem da consciência, e de George Hart, autor do Dicionário Routledge de Deuses e Deusas Egípcios, o adorno em forma de serpente usado nas coroas de deuses e faraós do Antigo Egito era um símbolo de soberania. Está dito em um dos Textos das Pirâmides que o deus Gebe deu à cobra o direito de ser a mantenedora legítima do trono do Egito, razão pela qual ela aparece nos toucados reais. A cobra é um antigo símbolo da sabedoria. Este símbolo é chamado de Uraeus.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ureu
Contrariando milênios de costumes instituídos, foi o faraó Akhenaton quem apresentou a rainha Nefertiti portando o Uraeus em seu toucado real. Isso foi inédito na história pictográfica do Egito, que, jamais retratou uma mulher portando esse símbolo, fosse ela rainha ou mesmo uma deusa. A estela Wilbour do casal real indica que Akhenaton considerava Nefertiti uma portadora da "Sabedoria", a cobra Uraeus, tanto quanto ele, uma legítima mantenedora do trono do Egito tanto quanto ele. Para Akhenaton, a mulher é tão portadora da sabedoria e da iluminação quanto o homem. E isso não combina com a trajetória de Moisés e ainda menos com a Lei Mosaica, que são os fundamentos do monoteísmo judaico.
As representações imagéticas sobre a mulher apresentadas por Akhenaton não indicam que ele e Moisés tenham sido a mesma pessoa. Eles podem até terem sido irmãos, talvez Tuthmosis e Ramosi, ou seja, Aarão e Moisés, mas, dificilmente Moisés e Akhenaton poderiam ter sido a mesma pessoa.
O monoteísmo de Akhenaton incluía a mulher. Ela desfrutava da igualdade de direitos e das mesmas possibilidades que os homens, já o monoteísmo de Moisés...
Moisés é retratado nas Escrituras como sendo uma pessoa que se deixava dominar pela ira. Ele matou uma pessoa, razão pela qual teve que fugir do Egito. Quando desceu do Monte Sinai e viu o povo adorando a imagem do bezerro, reconhecidamente um símbolo feminino, Moisés foi tomado pela ira e quebrou as Tábuas da Lei.
A Lei Mosaica refere-se à lei de Moisés, escrita em pedra pelo próprio dedo de Deus no monte Sinai. É composta de todo o código de leis formado por 613 disposições, ordens e proibições. Em hebraico a Lei é chamada de Torá, que pode significar lei como também instrução ou doutrina, cujo conteúdo está formulado em seus cinco livros. No código mosaico encontramos também o Livro da Aliança das Ordenanças Civis e Religiosas, que explica e expõe detalhadamente o significado dos Dez Mandamentos. Em conjunto, todas essas disposições, ordens e proibições formam a Lei Mosaica. No judaísmo ortodoxo, além dessas 613 ordenanças, há ainda as leis do Talmude, a transmissão oral dos preceitos religiosos e jurídicos compilados por escrito entre os séculos 3 e 6 dC.
Para Frank Crüsemann, estudioso alemão do Antigo e do Novo Testamento, conhecido por suas publicações sobre a Torá e membro da Conferência Cristã pela Paz, nos textos legais hebraicos nós nos deparamos com um mundo masculino: o sistema jurídico está quase totalmente em mãos masculinas, os textos são dirigidos a homens e os tratam como sujeitos do direito. As mulheres são mencionadas somente quando indispensáveis em seus papéis específicos de esposas e mães. Isto inclui por último a ampla esfera do culto, da qual elas praticamente deveriam estar excluídas, a julgar pelas menções feitas nas Escrituras sobre a participação delas nos cultos.
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